A falta de acordo em torno de pontos da reforma tributária e a oposição de diversos partidos e parlamentares adiou mais uma vez a discussão da Reforma Tributária pelo plenário da Câmara dos Deputados. Desde o último domingo parlamentares foram convocados a Brasília pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para tentar aprovar o texto antes do recesso de julho.
O convite para vir a Brasília discutir um texto que impacta a economia já no domingo, inclusive, foi considerado um “desrespeito” pelo líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ). Ele disse que sugeriu ao líder do PL, Altineu Côrtes, que o partido declarasse obstrução às votações da semana, para tentar adiar pelo menos a Reforma Tributária. A pauta da semana também inclui as alterações que o Senado fez ao marco fiscal e o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Segundo o líder da oposição, há um entendimento que grande parte dos deputados do PL vão se posicionar contrários à Reforma, principalmente depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro criticou a reforma, dizendo que ela era “um soco no estômago dos mais pobres”.
O ex-presidente pediu que as pessoas falassem com seus deputados para não votar a matéria, que ele considera prejudicial principalmente para a população mais carente. Levantamento da Associação dos Supermercados (Abras) indicou que os produtos da cesta básica seriam elevados em 60% com as mudanças tributárias que poderão ser implantadas pela reforma.
Na corrida contra o tempo para votar o texto, diversos deputados manifestaram descontentamento com a proposta, citando que além de penalizar a população mais carente com o aumento de impostos, ela vai impactar diretamente setores como de serviços e comércio.
Fontes ouvidas pela Gazeta do Povo dizem que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais impulsionadores da proposta, não vai arriscar a votação da reforma sem ter garantia de que o texto seja aprovado. A sessão desta terça-feira, assim como a de segunda, não avançou na análise das pautas definidas e as negociações continuam em Brasília. A tentativa é que o acordo possa ser feito pelo menos para destrancar a pauta, com a votação do projeto de voto de qualidade do Carf, mas a reforma pode mesmo ficar para o segundo semestre.
Como é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o texto precisa de pelo menos 308 votos em dois turnos de votação, mas alguns parlamentares consideram que o ideal seria contar com pelo menos 40 votos a mais para garantir uma margem segura de aprovação.
A sessão deliberativa de quarta-feira foi mais uma vez convocada, com previsão de início às 13 horas, o que não significa que terá votações, como ocorreu nestas segunda e terça-feira. O dia deverá ser mais um dedicado às tentativas de negociação e acordo.
No final da noite desta terça o presidente divulgou nota afirmando que continua ouvindo governadores, prefeitos e empresários, em busca de um consenso para votar a reforma tributária até sexta-feira. A nota diz que “junto com os líderes partidários, o presidente Lira está convencido que conseguirá o consenso para colocar a proposta de Reforma Tributária para ser votada até sexta”.
Parlamentares criticam pressa para votação
A deputada Bia Kicis (PL-DF) disse que “podemos tranquilamente aguardar o segundo semestre para discutir o texto”. O colega de sigla Nikolas Ferreira (PL-MG) disse que o PL iria obstruir a proposta que é “Mais Brasília e menos Brasil”, e disse que, assim como muitos, quer uma reforma, desde que seja discutida e não feita a “toque de caixa”.
A reforma prevê, entre outros pontos, a substituição de impostos como IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), administrada pelo governo federal, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que deverá ser gerido por estados e municípios.
Governadores estão em Brasília para debater proposta da reforma tributária
Em reunião com o bloco formado pelo MDB, PSD, Republicanos e Podemos, o relator da matéria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e também líder da maioria na Casa, disse que o texto foi bastante debatido com a sociedade, setores da economia, estados, prefeitos e ministros, e que “esta não é uma reforma de esquerda ou de direita, é uma reforma do Brasil”.
Mas o fato é que falta muito para chegar a um consenso sobre a PEC. Durante toda a terça-feira parlamentares, govenadores, prefeitos e representantes da sociedade circularam pelos corredores da Câmara dos Deputados, e ainda participaram de inúmeras reuniões com bancadas e estados, realizadas em pontos diversos da capital federal.
Ao menos dez governadores estiveram em Brasília nesta terça. O do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), disse à Gazeta do Povo que um ponto preocupante diz respeito à federação, e que acredita que a reforma precise de mais tempo, mas que é um “avanço que o texto esteja em discussão”. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil – GO), uma das principais vozes contrárias à proposta apresentada por Aguinaldo Ribeiro, destacou que está preocupado com a perda de autonomia estadual.
Para tentar acomodar os pedidos dos governadores, Ribeiro disse que deve rever ao menos três pontos: as regras para criação do Conselho Federativo, que será responsável pela gestão e distribuição de recursos do IBS, que vai reunir ISS e ICMS; o Fundo de Desenvolvimento Regional, que contaria com recursos da União para compensar perda de benefícios fiscais concedidos a empresas pelos estados, como isenções tributárias; e o cronograma para a implementação do IBS.
“Tem uma demanda política de deixar isso mais claro. No conselho federativo, vamos ter que ter paridade, estamos desenhando a melhor forma de fazer isso. A transição (para implementação do IBS) estamos calculando e pactuando com todos os estados. Já tínhamos um compromisso político de discutir esses pontos. Vamos tentar fazer a convergência entre os estados no que for possível”, disse Ribeiro, relator da reforma.
Bancada do agro diz que não apoiará texto que seja contra produtores
O líder do PP, André Fufuca (MA), disse que ainda não há acordo para votação de nenhum dos projetos econômicos, mas negou uma possível obstrução do partido. Ele lembrou que a reforma também enfrenta resistências do agro e que não há previsão para que seja votada.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion (PP-PR), por sua vez, disse que a bancada apresentou ao relator da proposta “os pontos que são inegociáveis”. “Não aceitamos uma reforma que seja contra os produtores. Não apoiaremos um texto que não nos atenda”.
Projeto do CARF também enfrenta resistências
Além das críticas à reforma tributária, o governo enfrenta outro problema para avançar na discussão das pautas econômicas que pretendia aprovar ainda esta semana, antes do início do recesso parlamentar do Congresso Nacional, em 17 de julho.
A pauta do plenário está trancada pelo projeto de lei que restabelece o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão que julga disputas fiscais entre governo e contribuintes sobre impostos. Devido a uma lei aprovado no Congresso em 2020, as disputas que terminam em empate no Carf beneficiam o contribuinte. Mas o governo quer mudar a regra, segundo o relator, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), para que o voto beneficie a União, e assim, haja maior arrecadação para os cofres públicos. Segundo ele, esses processos representam apenas 1,5% do total das demandas em tramitação no Conselho, mas tratam de valores “exorbitantes”.
O fato é que além de encontrar resistências, já que muitos parlamentares alegam que a regra atual foi feita por iniciativa parlamentar, o projeto está “trancando” a pauta da Câmara. Por isso, enquanto ele não for apreciado os deputados não podem avançar na análise dos demais temas econômicos, como a Reforma Tributária e as mudanças feitas pelos senadores ao texto do marco fiscal.
De acordo com o líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy, mesmo que muitos deputados da oposição declarem que vão votar contra o Carf, ele acredita que a proposta seja aprovada, mas que o mesmo não deve acontecer com pontos alterados do marco fiscal, como o Fundo Constitucional do Distrito Federal, que deverá obedecer o limite de 70% do teto de gastos para permanecer no texto.