Ruídos criados pelo próprio governo têm atrapalhado a condução da política econômica e, por consequência, afetado o humor de investidores, empresários e consumidores.
Os principais ruídos são a “guerra” declarada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e agora um atrito – por ora restrito aos bastidores – entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante.
As críticas de Lula aos juros, às metas de inflação e ao Banco Central
Desde janeiro Lula tem questionado o patamar da taxa básica de juros (Selic), hoje em 13,75% ao ano. Também critica a autonomia do BC, em vigor desde 2021, e as metas de inflação.
“É uma fonte de tensão contínua em meio a duas questões
antagônicas: o governo quer gastar mais, enquanto o BC tem de acompanhar as
metas de inflação”, diz Sílvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria.
Para além do incômodo com os juros, há questões políticas em jogo, aponta o cientista político Rafael Cortez, também da Tendências. “Lula não quer nomes indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em seu governo e isso não é possível em órgãos independentes como o Banco Central.”
Segundo ele, o mandato de Lula começa marcado pela incerteza política advinda de um processo eleitoral conflituoso. O custo de fazer o ajuste das contas públicas aumentou, avalia Cortez. “Para preservar o capital político, a opção do governo é de agir gradualmente.”
O chefe de pesquisa econômica para a América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, observa que desde a posse de Lula não houve grandes projetos ou anúncios por parte do governo. “Entrou em uma discussão improdutiva e errada sobre aumento da meta de inflação e redução de juros com o Banco Central”, disse Arruda em evento do Observatório Econômico da Câmara de Comércio França-Brasil (CCFB), no dia 14.
A queda de braço entre Executivo e Banco Central teve impacto sobre as projeções para a inflação e a taxa de juros neste ano e nos dois seguintes, e pode estar por trás da piora das projeções para o PIB em 2024 e 2025. Veja a seguir como mudaram as estimativas do mercado coletadas pelo relatório Focus, do BC:
Indicador | Projeção em 2/12/2022 | Projeção em 17/2/2023 |
IPCA 2023 | 5,08% | 5,89% |
IPCA 2024 | 3,50% | 4,02% |
IPCA 2025 | 3,00% | 3,78% |
PIB 2023 | 0,75% | 0,80% |
PIB 2024 | 1,71% | 1,50% |
PIB 2025 | 2,00% | 1,80% |
Selic 2023 | 11,75% | 12,75% |
Selic 2024 | 8,50% | 10,00% |
Selic 2025 | 8,00% | 9,00% |
Para o economista Silvio Campos Neto, o governo quer baixar os juros sem se ater a questões técnicas. Marcos Caruso, economista-chefe do Banco Original, avalia que esse comportamento pode sugerir leniência no combate à inflação.
Sobre mudanças nas metas de inflação, Campos Neto, da Tendências, avalia que é possível, mas não é 100% certa. Na primeira reunião do ano do Conselho Monetário Nacional (CMN), o tema não foi discutido.
“Uma alteração pode provocar altas nas expectativas do IPCA”, diz o economista, acrescentando que a taxa de câmbio e os juros de mercado também podem subir, aumentando o custo de capital e afetando a dinâmica da dívida pública.
“Gera incerteza, nervosismo e imprevisibilidade, afetando a precificação dos ativos brasileiros. Empresas e consumidores acabam postergando suas decisões de compra e de investimento, o que não gera melhora no ambiente econômico”, diz.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, aponta que falta ao governo uma dose de paciência. “As empresas só investem se houver uma economia estável”, diz.
Para Arruda, os ruídos ocorrem em meio a um momento econômico muito delicado. “Está na pior combinação possível: um endividamento público elevado e um alto custo de carregamento”, diz, referindo-se ao elevado patamar dos juros que o governo paga para se financiar.
Embora tenha recuado a 73,5% do PIB no fim do ano passado, menor patamar desde 2017, a dívida pública brasileira tem tendência de forte alta nos próximos anos, segundo as projeções do mercado financeiro.
O principal caminho apontado pelos especialistas para tentar contornar esse problema é a aprovação de um novo arcabouço fiscal, para substituir o teto de gastos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou para março o anúncio da nova regra que o governo enviará para avaliação do Congresso.
O atrito entre Haddad e Mercadante
Outra fonte de ruído na condução da política econômica são as tensões entre Fernando Haddad e Aloizio Mercadante sobre questões relacionadas ao novo arcabouço fiscal. Embora não seja admitido publicamente pelos dois, o atrito é tema de discussões nos corredores palacianos e já é debatido no mercado.
Os problemas ganharam contornos maiores no início do mês, quando Mercadante, presidente do BNDES, disse em entrevista ao SBT que o banco pretende realizar em março um seminário internacional sobre a formulação de um arcabouço fiscal.
O desenho do mecanismo que vai substituir o teto de gastos, porém, está a cargo de Haddad, ministro da Fazenda. E a discussão – dentro do próprio governo – de propostas diferentes da elaborada pela equipe econômica tende a causar algum constrangimento.
Na entrevista ao SBT, Mercadante reconheceu que o tema é da Fazenda, mas alegou que “o BNDES sempre foi um formulador de políticas públicas”. Ele disse que, quando o seminário for realizado, a proposta do governo provavelmente já estará pronta. “Vamos debater a proposta do governo no seminário. Ajuda o governo a formular”, afirmou.
Segundo ele, os debatedores vão discutir “que tipo de responsabilidade fiscal nós devemos ter, como dar sustentabilidade fiscal ao país e, ao mesmo tempo, como permitir baixar os juros”. O resultado do debate, de acordo com Mercadante, será entregue a Haddad e Lula.
O atrito entre os dois já ligou o sinal de alerta no Palácio do Planalto, mas, segundo o “Valor”, Lula optou por não interferir. A relação entre Mercadante e Haddad, há tempos, não é boa. “Está havendo muito embate entre os dois”, diz Vale.
As iniciativas de Mercadante soam como uma tentativa de se colocar à disposição de Lula, como eventual sucessor de Haddad. Entre investidores, sinais de prestígio a Mercadante tendem a ser mal recebidos, dadas as opiniões econômicas mais heterodoxas do presidente do BNDES.
A situação é mais calma entre os ministros da área econômica, da qual Haddad é o líder, mas que conta com outros dois interessados em uma possível sucessão de Lula, em 2026: os ministros do Planejamento, Simone Tebet (MDB) e o do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin (PSB).
Apesar de terem algum interesse em ocupar o Planalto, Gabriel Fongaro, economista-sênior do JBFO, não vê riscos de “fogo amigo” na equipe econômica. Um aspecto que os une, segundo ele, é que já se manifestaram contra os perigos de uma política fiscal expansionista.
Caruso, do Original, destaca que o palco principal vai ser de Haddad: “O sucesso dele vai depender do arcabouço fiscal que apresentar”. Quanto a Alckmin, ele observa que tem adotado uma postura mais amena. Tebet, por sua vez, terá de promover uma revisão nos programas sociais, o que não é uma medida popular. “Ela está bem assessorada”, afirma.
Vale acredita que não haverá espaço para candidatos mais de centro nas eleições presidenciais de 2026. “Vai ser mais uma eleição polarizada, com PT e a direita apresentando candidatos fortes.” Para ele, Lula dá a impressão de ainda estar em um palanque eleitoral, sem sinais de moderação.
Congresso se mostra mais cooperativo e reforça ação institucional
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, apesar de Lula lidar com um Congresso mais à direita neste mandato, o Legislativo tem se mostrado cooperativo com o Executivo. Porém, a discussão de medidas como aumentos de impostos tende a ser mais difícil que a de aumentos nos gastos.
Caruso, do Original, lembra que o Parlamento aprovou sem maiores ressalvas a proposta de emenda constitucional (PEC) da Transição, conhecida como fura-teto, que liberou para Lula perto de R$ 200 bilhões em gastos além dos limites originais do teto de despesas.
Por outro lado, os analistas observam uma maior atuação institucional do Congresso, defendendo certas posições já estabelecidas e avalizadas pelo Legislativo. É o caso dos ataques de Lula à independência formal do Banco Central.
Tanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quanto o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestaram em defesa da autonomia do BC.