O total de recursos destinado a investimentos pelo governo federal entre janeiro e agosto de 2022 é o menor já registrado para o período desde 2007, início da série histórica da Secretaria do Tesouro Nacional, em valores atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Conforme os números mais recentes divulgados pela pasta, foram investidos R$ 26,7 bilhões nos oito primeiros meses do ano. A média do valor destinado a esse fim, no mesmo intervalo de tempo, entre os anos de 2007 e 2021 foi de R$ 49,9 bilhões, com pico em 2014 (R$ 87,59 bilhões).
A principal razão para a queda na dotação nos últimos anos é
o avanço dos gastos obrigatórios, que engessa o orçamento federal, especialmente
a partir da instituição do teto de gastos, em 2016.
Em meio ao aumento das despesas, tanto Jair Bolsonaro (PL) quanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disputam o mandato de presidente da República a partir de 2023, estudam mudanças no modelo de teto de gastos para poder executar promessas feitas em campanha.
Para se ter uma ideia, na peça orçamentária de 2023, em tramitação no Congresso, 93,7% das despesas são de execução impositiva, o que deixa apenas 6,3% para as discricionárias, que incluem os investimentos, além de inversões financeiras e emendas parlamentares. A fatia dos gastos livres projetada para o ano que vem é a menor ao menos desde 2008, segundo o Ministério da Economia, e, até 2015, mantinha-se acima de 20%.
A dotação prevista para investimentos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano que vem é ainda menor do que a autorizada em 2022. O texto enviado pelo Executivo ao Congresso, ainda passível de alterações, destina para esse grupo de despesas R$ 22,4 bilhões, 50,4% menos do que o planejado para este ano (R$ 45,1 bilhões).
“A gente está com discricionário cada vez menor, então o volume que fica para investimentos, nesse momento do envio da PLOA, tende a ser realmente menor”, disse o secretário Esteves Colnago durante a apresentação do projeto, no fim de agosto.
Investimento do governo federal
De janeiro a agosto de cada ano, em valores corrigidos pelo IPCA até agosto de 2022. Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Ano |
Investimento (jan-ago) |
2007 | R$ 26,84 bilhões |
2008 | R$ 36,10 bilhões |
2009 | R$ 36,68 bilhões |
2010 | R$ 56,31 bilhões |
2011 | R$ 64,52 bilhões |
2012 | R$ 78,26 bilhões |
2013 | R$ 73,01 bilhões |
2014 | R$ 87,59 bilhões |
2015 | R$ 54,96 bilhões |
2016 | R$ 47,16 bilhões |
2017 | R$ 30,11 bilhões |
2018 | R$ 36,29 bilhões |
2019 | R$ 29,74 bilhões |
2020 | R$ 61,75 bilhões |
2021 | R$ 30,52 bilhões |
2022 | R$ 26,70 bilhões |
Uma nota técnica produzida em conjunto pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado mostra ainda que houve mudanças na composição dos investimentos nos últimos dez anos. Em 2013, a categoria que recebia a maior parte dos recursos era a de transporte, seguida por educação, defesa nacional, saúde e urbanismo. O orçamento de 2023 prevê verba majoritária para defesa e, na sequência, para transporte, educação, saúde e urbanismo.
Entram na classificação de
investimentos recursos destinados ao planejamento e execução de obras, incluindo
despesas com aquisição de imóveis necessários à realização dos empreendimentos,
além de contratação de instalação e compra de equipamentos, material permanente
e software. Os investimentos em saúde e educação, portanto, não consideram os
gastos obrigatórios previstos constitucionalmente.
A economista Juliana Damasceno, da
Tendências Consultoria, explica que o baixo investimento tem sido insuficiente
para repor a depreciação do capital público. “Ano após ano, a gente tem
investido menos, e esse nível está tão baixo que estamos perdendo o estoque de
capital que poderíamos ter”, diz.
Investimento também é mal direcionado
Levantamento da consultoria Inter.B aponta que o estoque de capital do país encerrou o ano de 2021 em 37,4% do PIB, quando o necessário para a modernização da infraestrutura deveria ser de ao menos 60%. O caminho para alcançar esse patamar, conforme o estudo, demandaria um gasto anual, público e privado, de no mínimo 3,64% do PIB ao longo por duas décadas. No ano passado, no entanto, o investimento em infraestrutura ficou em 1,73% do PIB, e a projeção para este ano é ainda menor: 1,71%.
Para Cláudio Frischtak, sócio fundador da Inter.B, a deficiência
no investimento do Estado se soma ao fato de as prioridades do orçamento geralmente
não estarem alinhadas ao interesse público. “Não é só uma questão de teto de
gastos – o problema maior, na realidade, é a prioridade”, avalia.
“Nesse sentido, o que é mais flagrante são as emendas do
relator, o chamado orçamento secreto. Só ali, no ano que vem, teremos R$ 20,4
bilhões que a gente não sabe nem para quê, afinal de contas não há transparência”,
diz.
“Quando há um pouco de transparência, o que se revela é uma péssima alocação de recursos, fragmentação dos investimentos, executados com baixa racionalidade, sem planejamento e tipicamente com elementos de clientelismo, quando não de patrimonialismo e apropriação privada, ou seja, corrupção, como notícias recentes têm revelado.”
Para fins de comparação, o orçamento do Departamento Nacional
de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para 2023 prevê R$ 4,1 bilhões para investimentos,
que podem ou não ser executados. O valor, suficiente para construção de cerca
de 40 mil quilômetros de rodovias, é apenas um quinto do destinado a emendas do
relator.
Apesar do aumento da participação privada nos investimentos de infraestrutura desde 2019, principalmente nos setores de transportes e saneamento, o potencial ainda está aquém do ideal, segundo o estudo da Inter.B. A atração do capital privado, segundo economistas, passa necessariamente pela melhoraria nas condições de financiamento e principalmente de segurança jurídica.
“Que investidor vai querer vir para um país em que ele pode
até ir para a Justiça e ter sua dívida reconhecida, mas receber da União um ‘devo
não nego, pago quando puder’?”, diz Juliana, referindo-se à PEC dos
Precatórios, aprovada em 2021 e que autorizou o governo a adiar o pagamento de dívidas.
Frischtak destaca ainda que a interferência do Executivo sobre os órgãos regulatórios aumentou nos últimos anos. “É preciso garantir maior independência, autonomia técnica, financeira e administrativa para as agências”, defende. “Existe hoje uma brecha de cerca de R$ 150 bilhões por ano de investimentos em infraestrutura, e certamente o setor público não tem como bancar esses valores. Uma boa parte disso tem de vir do setor privado.”
Colaborou Fernando Jasper