As iniciativas intervencionistas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm contribuído para acender a luz amarela entre investidores estrangeiros em relação ao país. Segundo dados da B3, a Bolsa brasileira, janeiro foi marcado por forte saída de capital estrangeiro, na casa dos R$ 7,9 bilhões – o que reverteu, em parte, o bom desempenho do mercado de capitais dos últimos meses do ano passado.
A saída brusca se deveu, principalmente, a fatores externos, como a perspectiva de manutenção de juros altos nos Estados Unidos. Mas os ruídos da política interna e sinais de maior interferência estatal na economia pesaram na percepção de riscos e também afetaram a atração de investimentos, segundo analistas de consultorias internacionais ouvidos pela Gazeta do Povo.
O principal fator de desconfiança foram as reiteradas tentativas de interferência do presidente Lula na mineradora Vale, visando emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na presidência da companhia, que tiveram repercussão internacional.
Reportagem do jornal britânico “Financial Times” citou o temor dos investidores de uma retomada do “capitalismo de Estado” ao Brasil. O texto narra o empenho do presidente Lula em resgatar o protagonismo do Estado brasileiro na economia, e traz uma imagem da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Conhecida por casos de superfaturamento e corrupção em gestões anteriores do PT, que lhe renderam o apelido de “refinaria mais cara do mundo”, a unidade está sendo ampliada – o que foi celebrado com discurso revanchista de Lula em evento no mês passado.
Ptara Sílvio Campos Neto, consultor sênior e sócio da Tendências, as investidas dirigistas têm sido um contraponto negativo à conjuntura internacional – que joga a favor do Brasil e faz do país um porto relativamente seguro na comparação com outros países emergentes.
“Existe uma percepção ambígua entre os investidores. Por um lado, o Brasil tem aspectos favoráveis, com contas externas sólidas e política monetária sob controle, que fazem com que estejamos melhor que países como Rússia, Turquia, Peru e Argentina”, explica Campos Neto. “Mas o cenário interno acende o alarme quando vemos a dificuldade do governo em lidar com empresas privadas, que querem fazer seus negócios e definir seus rumos. O exemplo da Vale escancara isso”, diz.
Alexandre Reitz, chefe de renda variável da filial brasileira do banco suíço Julius Baer, acrescenta a tentativa do governo de modificar a governança da Eletrobras, privatizada em 2022.
“O Palácio do Planalto parece não concordar com o processo de privatização conduzido pelo governo anterior, embora tenha sido um procedimento legal amplamente debatido e construído com o Congresso Nacional. O mesmo cenário tem se repetido com a Vale. Esse tipo de intervenção, embora não seja determinante para os investidores de longo prazo, não contribui no curto prazo e adiciona ruído aos investidores”, diz Reitz.
A consultoria internacional GlobalData TS Lombard avaliou, em relatório divulgado em janeiro intitulado “A nova política industrial de Lula é uma bandeira vermelha”, que o presidente “contribui para a incerteza econômica ao interferir em empresas listadas em bolsa”.
Governo Lula no radar
No entendimento dos analistas, o comportamento do governo Lula esteve sempre no radar dos investidores externos. O início da gestão foi conturbado, sobretudo, pelas falas desastradas do presidente criticando a condução da política monetária pelo Banco Central e a demonstração de pouco rigor nos gastos públicos.
O arcabouço fiscal deu alguma tranquilidade ao mercado, mas ainda há diversas incertezas com relação ao cumprimento da meta deste ano, que pode ser revista. Na quinta-feira (8), o presidente colocou novamente em xeque a necessidade do ajuste. “Se der para fazer déficit zero, ótimo. Se não der, ótimo também”, declarou Lula, em entrevista à rádio Itatiaia.
O lançamento recente da nova política industrial protecionista e medidas já adotadas no passado, com previsão de um pacote de investimentos do BNDES de R$ 250 bilhões para o setor, também corrobora para a preocupação dos analistas.
“A utilização do BNDES para impulsionar o setor industrial no Brasil já foi experimentada, e os resultados a longo prazo não foram positivos. Qualquer ideia nessa linha é mal vista pelo mercado. No final, o ônus dos subsídios sempre recai sobre o Tesouro nacional. Além disso, o mercado aloca capital de forma mais eficiente do que alguns agentes do Estado, escolhendo quais setores merecem mais recursos”, avalia Reitz.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating explica que o capital internacional é imediatista e “não paga para ver” sinais de intempéries, sempre atento ao cenário estrutural macroeconômico. “Por enquanto, os investidores estão com as barbas de molho. A percepção é de cautela. Ainda não dá para virar a mesa. Mas o retrocesso do governo preocupa”, diz.
Cenário externo beneficia Brasil
Os economistas lembram que o país está sendo beneficiado pela recente perda de fôlego da economia chinesa. As previsões pouco otimistas para o gigante asiático têm afastado investidores, que se voltam aos emergentes. Além disso, o corte de juros americanos deve acontecer em algum momento, o que também tende a contribuir para o ritmo de fluxo de capital para o país. O Brasil só tem perdido para o México em investimentos externos na América Latina.
“O investidor estrangeiro ainda está mais otimista que o investidor doméstico”, avalia Campos Neto. “Mas a tendência pode caminhar para uma convergência de expectativas, se o quadro macroeconômico se deteriorar.”
A avaliação é de que em algum momento a questão fiscal pode cobrar seu preço. Ruídos como o impasse com a reoneração da folha de pagamento, a alegação do Tribunal de Contas da União (TCU) de que as receitas do Orçamento 2024 estão superestimadas e a divulgação do rombo R$ 230,5 bilhões em 2023 foram mal recebidas pelo mercado.
“No âmbito doméstico, um ambiente político mais estável seria uma iniciativa crucial para atrair investimentos para o país. O governo deveria voltar sua atenção para o controle das despesas em vez de priorizar exclusivamente o aumento da arrecadação como meio de alcançar o equilíbrio fiscal”, acredita o analista da Julius Baer.
Para Alan Riddell, sócio de Deal Advisory & Strategy da KPMG Brasil, o desafio do país é criar um ambiente favorável a atração de investimentos financeiros e, sobretudo, investimentos produtivos diretos. “Para isso o governo precisa permitir que o setor privado assuma o protagonismo, sem a perspectiva de ser tutorado”, afirma.
Pelos desarranjos internos, acredita Riddell, o país perde oportunidades de atrair grandes players para atuação em setores estratégicos, como tecnologia, energia e combustíveis.
“Não temos políticas públicas estruturadas e a relação risco/retorno é muito alta. A gente atrairia mais capital com um ambiente de estabilidade fiscal, simplicidade tributária, boa regulação e estabilidade jurídica, com respeitos às decisões tramitadas e julgadas. O que não falta no mundo é capital para ser investidos em projetos rentáveis”, diz.