Há apenas cinco anos o publicitário Diego Martins, 36, se encantou assistindo na TV um documentário japonês sobre agricultura urbana vertical. O ambiente totalmente controlado e aquele ar futurista conferido pela iluminação rósea das lâmpadas led despertaram a curiosidade de Martins, que começou a investigar o assunto. Encontrou apenas “um outro doido”, diz ele, que estudava o tema: o pesquisador da Embrapa Hortaliças Ítalo Rocha Guedes.
Este encontro acabou levando a um termo de cooperação com a Embrapa, base para Martins se lançar ao novo negócio, mesmo sem nenhuma formação agronômica. Hoje a empresa 100% Livre produz 20 toneladas de alimentos por mês em um galpão de 300 m2 no bairro Ipiranga, em São Paulo. Nos 30 andares de prateleiras, alfaces, rúculas, couves, temperos, tomates e morangos crescem supervisionados por computadores e sob o olhar atento de engenheiros de produção, técnicos em tecnologia da informação e agrônomos.
As pesquisas não param e alcançam resultados de dar inveja a americanos: a empresa conseguiu fazer o primeiro blueberry (mirtilo) do mundo em ambiente controlado. Noutra frente, fechou contrato com a Ambev para fornecer lúpulo de alta qualidade, produzido igualmente na tecnologia indoor. O morango da empresa alcançou 17,7 pontos na escala brix, uma doçura típica dos melhores melões. Isso exemplifica os novos tempos. “Eu cresci numa época em que ou você comia o produto daquela estação, ou só ia ter de novo no ano que vem. É o tipo de coisa que não precisa mais”, diz o publicitário-agricultor.
Produção em vários andares multiplica colheita
Na mesma cidade de São Paulo, a 21 km de distância da fábrica de hortaliças da 100% Livre, uma outra fazenda urbana viceja entre quatro paredes. Na Vila Leopoldina, a Pink Farms, pioneira no cultivo vertical no país, já consegue obter 170 vezes mais produtividade por m2 do que o plantio tradicional de folhosas. Isso acontece tanto em função do sistema em níveis – são dez linhas sobrepostas de produção – como pela aceleração do ciclo e aproveitamento máximo do potencial de cada planta, com perdas zeradas. A meta é obter 400 vezes mais num mesmo espaço, aperfeiçoando o sistema e aumentando para 24 o número de “camas” para as hortaliças.
Geraldo Maia, CEO e um dos três sócios-fundadores da Pink Farms, considera que a agricultura urbana vertical “muda de ponta-cabeça” o processo produtivo do campo, cuja tecnologia se concentra em preparar as plantas para ter flexibilidade em situações adversas de água, solo, temperatura, doenças e pragas. “O que a gente faz é transformar as fazendas numa indústria com processos ultra bem definidos, com pouquíssima variação de produção e alta assertividade de dados. Se está frio ou quente lá fora, para nós independe. Eliminamos por completo o uso de agrotóxicos. A planta sempre vai estar na mesma temperatura, umidade, nível de CO2, tempo de luz e nutrição, da melhor maneira possível para favorecer o crescimento”, destaca.
Agregados a essas vantagens produtivas vêm os ganhos logísticos, que podem chegar a 90% na comparação com o sistema convencional. A cadeia produtiva é encurtada, acabando com elos separados para produção de mudas, cultivo, colheita, lavagem, transporte e distribuição. Em vez de caminhões, as entregas são feitas a pé, por bicicletas, motocicletas e veículos pequenos.
Agricultura urbana muda perspectiva de regiões áridas
A agricultura
vertical não tem limites geográficos e pode mudar a realidade de regiões áridas
do País, até agora eram vistas como pouco favoráveis ao cultivo de alimentos. No
uso da água, a economia chega a 98%, segundo Ítalo Guedes, da Embrapa. Com
fertilizantes, dá para triplicar o aproveitamento, entregando à planta apenas a
quantia suficiente, e necessária, para o máximo potencial produtivo.
Além de países europeus, da China e dos EUA, as fazendas verticais têm se multiplicado em regiões de clima quente, como Israel, Emirados Árabes e a Arábia Saudita. Em Dubai, no mês de maio, foi inaugurada a maior fazenda urbana vertical do planeta, a ECO1, instalada numa área de 30 mil m2 e com capacidade de produzir 900 toneladas de vegetais por ano. Na Dinamarca, a startup Nordic Harvest está construindo a maior fábrica de hortifrútis do continente, em área de 7.000 m2 e capacidade prevista de mil toneladas por ano.
“As possibilidades são enormes, não apenas para os hortifrútis. A agricultura vertical pode ser utilizada para produzir plantas ornamentais, medicinais, flores, mudas e sementes. Estamos ainda na infância dessa tecnologia”, aponta Guedes.
Fazendas verticais não servem para todo tipo de cultivo
Seria a agricultura vertical um xeque-mate no sistema atual de produção de alimentos, que demanda o uso de grandes áreas de terra? Agronomicamente, isso não é possível, segundo o pesquisador da Embrapa, porque grandes culturas têm relativa baixa produtividade por hectare, quando comparadas com as de estufa. Também sempre é mais difícil produzir “hortaliça-fruto” em ambiente controlado. “Enquanto um hectare de tomate produz 100 a 150 toneladas, um hectare de feijão produz 3 toneladas. Numa área pequena, você consegue produzir grande quantidade de alface, mas não de trigo, de arroz e feijão”, explica.
As hortaliças, por outro lado, matam a fome de vitaminas e sais minerais, mas não de energia. Não quer dizer que a tecnologia não dê um impulso e tanto à segurança alimentar do País. No Nordeste, pode ser uma alternativa para o pequeno produtor aumentar a renda e, assim, adquirir o alimento mais calórico. O que parece certo é que as longas viagens de hortigranjeiros pelo País podem estar com os dias contados. Caso do tomate que abastece Manaus, por exemplo, que hoje vem de Goiás, Minas Gerais e Ceará, ou do pimentão, que os manauaras “importam” quase todo do Centro-Oeste.
Ecossistema de fornecedores garante expansão rápida das fazendas urbanas
“A coisa está mudando rapidamente. As fazendas verticais brasileiras falam em expansão, inclusive para outros países. Já temos um ecossistema de empresas fornecedoras de insumos e equipamentos para este tipo de produção surgindo no Brasil, e universidades com linhas de pesquisa estabelecidas”, relata Guedes.
Atualmente, as fazendas verticais urbanas brasileiras ainda podem ser contadas nos dedos das mãos. Segundo a Embrapa, são pelo menos cinco em São Paulo, duas em Minas Gerais e duas no Rio de Janeiro. O quadro deve mudar em pouco tempo. A 100% Livre está captando recursos no mercado, R$ 50 milhões, para daqui um ano chegar dez estados brasileiros. A Pink Farms tem processo aberto para um segundo aporte de capital, de R$ 15 milhões, por meio de investidores parceiros e crowdfunding. A partir de R$ 3 mil é possível virar sócio da empresa.
Para Maia, da 100% Livre, o desafio é reduzir os custos e fazer os produtos das fazendas verticais concorrerem diretamente com as folhosas convencionais. Hoje, uma alface produzida neste sistema hidropônico chega na gôndola em São Paulo custando entre R$ 7,99 e R$ 8,99, contra R$ 3,99 da alface comum. “Não acredito que o modelo seja apenas para vender ‘gourmet’. É uma estrutura escalável e de repetição, então, a gente quer ser grande. Daqui a um ano, com dez fazendas operando com capacidade total, vamos chegar a 4% ou 5% do mercado”, prevê o executivo.
Maia aproveita para prestar reconhecimento à Embrapa, parceria no desenvolvimento da tecnologia. “Acho que todo brasileiro deveria ter muito orgulho da Embrapa e seu papel nesse desafio de alimentar a população. A gente só consegue fazer o que estamos fazendo por causa deles”, conclui.