Para o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, o arcabouço fiscal apresentado na semana passada pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, só conseguirá reduzir a dívida pública como porcentagem do PIB com aumento forte de impostos. “Essa equação só fecha com aumento brutal de carga tributária”, disse Pastore em entrevista publicada neste domingo pelo jornal O Estado de S.Paulo. Para ele, o arcabouço tem uma “aritmética impecável”, mas uma “economia falha”, citando uma simulação segundo a qual os superávits primários mencionados no plano só teriam como ser atingidos com uma elevação de carga tributária de 5,2 pontos porcentuais em relação ao PIB, o que “não é factível” no cenário brasileiro.
Pastore, que foi presidente do BC entre 1983 e 1985, afirmou que Haddad terá de ser claro sobre sobre quem será escolhido para pagar por esse aumento de carga tributária necessário para conseguir os superávits primários. O economista, referindo-se aos “jabutis” citados por Haddad na entrevista de anúncio do arcabouço, citou a tributação de fundos exclusivos e de apostas eletrônicas, mas afirmou que isso não seria suficiente. “Precisaria de uma arrecadação de 5% ao ano a mais nos anos seguintes. Aí teria de ir para as renúncias tributárias”, algo que, na visão de Pastore, “é complicado, mas tem de ser feito”.
O arcabouço, de acordo com Pastore, se for aprovado, dará ao governo “uma licença para aumentar gastos”, e exatamente por isso exigirá uma elevação na carga tributária, condição para o superávit primário. O economista traça dois cenários para o caso de isso não acontecer: “ou sobe a inflação que aumenta a receita e faz cair a despesa em termos reais ou vira uma desaceleração adicional do crescimento econômico, porque o Banco Central, mantendo a sua independência, continua com uma política restritiva”, descreve.
Até por isso o economista afirmou não ter compreendido a “reação positiva” do mercado financeiro após o anúncio do plano, com queda do dólar e alta na bolsa de valores, já que o arcabouço não permite prever uma queda dos juros no futuro próximo. “Ainda que o arcabouço fosse bom, o Banco Central não poderia fazer nenhum gesto. Ele teria de esperar que a inflação caísse para conseguir reduzir os juros. Não espero por parte do BC nenhum sinal nessa direção”, afirmou Pastore ao Estadão, acrescentando que só consegue ver queda de juros a partir de 2024, não neste ano, desde que o BC consiga manter sua autonomia. “Se o governo conseguir aparelhar o Banco Central e gerar uma maioria de diretoria para executar a política monetária que eles querem que o BC execute, a inflação vai fácil para cima”, alertou Pastore.