“Dançar a música dos outros” na transição energética pode custar caro ao Brasil

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elegeu a transição energética como uma das vitrines de sua política internacional. Porém, a falta de um plano estratégico com definições claras sobre como esse processo será tocado pode deixar o Brasil à mercê de interesses externos.

“Dançar a música dos outros”, alertam especialistas, pode custar caro ao país. Um dos principais riscos é a sujeição a regras rígidas criadas por terceiros, que podem ser usadas por concorrentes como instrumento de controle de mercado.

Dando continuidade à agenda externa “verde” do governo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, passou a semana em Washington (EUA) e em Paris (França) participando de encontros para a prospecção de negócios bilaterais. A agenda do ministro na América do Norte incluiu o lançamento do  Comitê de Ação do Gerenciamento de Carbono e Metano do Diálogo da Indústria da Energia Limpa EUA-Brasil, participação em um workshop sobre captura, utilização e estoque de carbono, além de reuniões com empresários sobre o hidrogênio de baixo carbono brasileiro.

“Aqui em Washington, nos reunimos para compartilhar informações sobre a legislação e regulação dos nossos países. A proposta deste evento é buscar a harmonização dos nossos requisitos regulatórios. Queremos facilitar o comércio e o desenvolvimento da indústria de CCS no Brasil e nos Estados Unidos”, disse o ministro.

Em seguida, Silveira foi para Paris onde se reuniu com a ministra de Transição Energética da República Francesa, Agnès Pannier-Runacher. Os dois países vão estruturar uma agenda permanente de trabalhos com destaque para a energia nuclear. Também foram tratadas as perspectivas para a presidência do Brasil no G20 no próximo ano.

Os compromissos alinham-se ao protagonismo que Lula e sua equipe vêm dando ao tema. No mês passado, o presidente falou sobre mudanças climáticas e transição energética em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York.

“Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo. Oitenta e sete por cento da nossa energia elétrica provém de fontes limpas e renováveis. A geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano. É enorme o potencial de produção de hidrogênio verde. Com o Plano de Transformação Ecológica, apostaremos na industrialização e infraestrutura sustentáveis”, disse Lula.

Participante daquela comitiva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu oportunidades para descarbonização e armazenamento de energias renováveis brasileiras. Haddad convidou investidores estrangeiros a trazerem recursos e firmarem parcerias público-privadas no país.

Transição precisa considerar custo ao consumidor e segurança do abastecimento

A transição energética é complexa por si só. São várias as fontes e os setores envolvidos, e a substituição de combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) por renováveis é um processo que precisa levar em conta o custo ao consumidor e a segurança do abastecimento.

Assim como o governo precisa colocar todos na mesma página, as empresas locais também precisam fazer a sua parte. A ideia não é simplesmente vender a energia brasileira, mas formar contratos em que as companhias nacionais possam também adquirir técnicas e conhecimento para se desenvolverem ao longo do tempo.

Um ponto sujeito a discussões é sobre incentivos para alavancar os projetos brasileiros, ajudando-os a ganhar escala e preços competitivos. Outros países já abrem os cofres para subsidiar suas indústrias – que, com esse anabolizante, podem sufocar concorrentes de fora. No Brasil, lobbies já se movimentam no Congresso e no Executivo para garantir seu quinhão de incentivos tributários.

A questão é como estimular a produção nacional sem repetir o histórico de ineficiência que costuma estar atrelado à concessão de subsídios. São clássicos os casos das indústrias brasileiras de informática e veículos, que por longos anos se acomodaram sob a superproteção contra importações. Quem perdeu foi o consumidor, pagando caro por produtos de qualidade inferior.

A capacidade do Estado de abrir mão de receitas também parece limitada. Apenas no governo federal, renúncias fiscais em benefício de grupos restritos de contribuintes somam mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) e são sucessivamente prorrogadas mesmo sem comprovação de retorno, o que mantém elevados os impostos de pessoas e empresas não agraciadas pelos benefícios.

Desafio é equilibrar interesse do Brasil com necessidade de parcerias

Investimentos estrangeiros são bem-vindos e relevantes, na avaliação geral do mercado. A injeção de capital ajuda a alavancar projetos com maior rapidez, aproveitando janelas de oportunidade, uma vez que o país não tem verba para bancar isso sozinho.

“É difícil pensar em expandir sem parceiros comerciais. Ter o recurso natural não nos dá condições de dispensar recursos internacionais”, diz Felipe Gonçalves, superintendente de pesquisa da FGV Energia.

Outra vantagem das parcerias internacionais é a importação de conhecimento. A China, por exemplo, está muito à frente do Brasil na tecnologia de geração de energia solar e eletrificação de carros. Além disso, o Brasil depende de insumos e componentes estrangeiros para a transição energética, como os módulos solares.

“Desenvolver a indústria nacional é lema do governo e algo compreensível, mas não é de uma hora para outra. A indústria chinesa é muito forte. Então, não dá para deixarmos de contar com importação de painéis fotovoltaicos da China”, diz Carlos Dornellas, diretor técnico e regulatório da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Mas, para que esses laços internacionais não se tornem nós contra o Brasil, é preciso ter um plano estratégico definido e abrangente sobre como será a transição energética por aqui. Uma política bem desenhada é o caminho para o equilíbrio entre os interesses brasileiros e a necessidade de parcerias com o exterior, avalia Gonçalves, da FGV Energia.

Regras claras sobre a ingerência do Estado, prazos, metas e outros aspectos trariam mais segurança tanto para investidores estrangeiros como para os empresários brasileiros.

“A transição energética acabou virando um meio de fazer política externa. Se não tiver um plano estratégico dizendo o que vai ser feito, em quais fontes, qual será a interferência do Estado, enfim, algo que dê certeza sobre os rumos para empresas e investidores, pode virar um ‘greenwashing'”, observa um especialista em energia que acompanha o setor há décadas.

Greenwashing, ou “lavagem verde”, é um termo usado para descrever estratégias de marketing enganosas, em que empresas promovem uma imagem ecológica falsa ou exagerada a fim de atrair consumidores preocupados com o meio ambiente.

“Um plano é referência para orientar agentes econômicos, bancos, investidores. Aí caberia saber qual é a política industrial do Brasil, para saber qual será a energia do futuro, onde estarão essas fontes, qual o papel delas, se haverá incentivos, se o mercado vai tocar”, acrescenta o especialista, que pediu para não ser identificado.

Outra consequência de deixar pontas soltas na transição energética é que, sem diretrizes bem delimitadas, o Brasil pode se sujeitar a normas ambientais ditadas por outros países, potencialmente injustas e incompatíveis com a nossa realidade. “Isso vai ser instrumento de controle de mercado”, diz.

Substituição “atropelada” pode prejudicar a economia

Além de correr o risco de sanções caso não cumpra metas de descarbonização, por exemplo, a economia brasileira pode ser prejudicada caso a transição energética leve a uma substituição “atropelada” de produtos e tecnologias.

“Acredito que precisamos trabalhar mais o produto nacional. Se não, acaba-se criando uma demanda [de importados] que não é necessária por falta de um planejamento adequado. Hoje há muitas iniciativas para a transição energética, mas não estamos vendo uma coordenação nacional”, avalia o advogado especialista em direito ambiental Antonio Fernando Pinheiro Pedro, responsável por um estudo do Banco Mundial sobre o mercado de carbono no Brasil.

A geração de energia renovável no país avança a passos rápidos, especialmente com parques eólicos e solares. Mas há dúvidas sobre a capacidade de transmissão e a confiabilidade dessas fontes para a estabilidade do sistema. O advogado lembra que o apagão de 15 de agosto, que afetou quase todos os estados do país, foi relacionado a problemas de desempenho em usinas eólicas e solares no Nordeste.

Pinheiro Pedro cita também a tendência de eletrificação da frota de veículos. “Isso significa que vai ter sobrecarga para carregar os veículos. O que se pretende fazer para atender essa demanda?, questiona.

Governo promete política industrial “verde” até fim do ano

Elbia Gannoum, presidente executiva da Abeéolica, que representa o setor de energia eólica no país, vê um “alinhamento muito grande” entre governo, setor privado e Legislativo. Segundo ela, o país terá “muitas coisas” para mostrar na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28), em novembro, nos Emirados Árabes Unidos.

“O governo brasileiro já tem clareza a respeito da transição energética e o que eles estão fazendo agora. Tanto o Ministério da Fazenda, com o Plano de Transformação Ecológica, que é mais amplo, como o Ministério de Desenvolvimento, que está preparando uma política industrial verde, e os do Meio Ambiente e Minas e Energia. Estão todos muito atentos e o Poder Legislativo também”, diz a executiva.

As diretrizes da nova política industrial serão entregues até o fim do ano, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

A pasta reestruturou e reativou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) que será composto por 20 ministérios, BNDES e 21 representantes do setor produtivo. A nova política se baseia em seis “missões”, entre elas inovação, sustentabilidade e a geração de emprego e renda de qualidade. Transição ecológica e salto tecnológico estão no centro dessa estratégia, segundo a Pasta.

O Ministério de Minas e Energia (MME), por sua vez, informou que está trabalhando “em consonância com a agenda pública do governo federal e de forma integrada nos diversos esforços para o combate às mudanças climáticas e para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo país”.

A equipe comandada pelo ministro Silveira disse estar formatando a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), cujos principais pilares darão espaço de diálogo e gestão de conflitos e ações “efetivas para transformação setorial com objetivo de redução das emissões”.

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