Disparada do petróleo desafia Petrobras e pode levar a mais reajustes nos combustíveis

A forte alta na cotação do barril de petróleo nas últimas semanas tem tornado mais iminente um novo aumento nos preços dos combustíveis no Brasil, cada vez mais descolados dos valores praticados internacionalmente.

Para analistas do setor, o novo rali do petróleo tende a sustentar a commodity em um patamar elevado pelo menos até o fim do ano, o que pode ser um desafio à prática recente da Petrobras de segurar preços abaixo dos praticados pela concorrência por longos períodos.

Desde maio, quando decretou o fim da política de preço de paridade de importação (PPI), a estatal passou a represar aumentos no valor cobrado por derivados de petróleo produzidos em suas refinarias.

Ao mesmo tempo em que mudava a metodologia para composição de preços de produtos refinados, a empresa cortava em 12,8% o valor do litro do diesel e em 12,6% o da gasolina. À época, o barril do tipo Brent, utilizado como referência internacional, atingia sua menor cotação desde dezembro de 2021, negociado a cerca de US$ 72.

De lá para cá, o valor da commodity disparou, tendo como
pano de fundo o anúncio da Rússia e da Arábia Saudita de manter até o fim do
ano uma redução de oferta de 1,3 milhão de barris diários.

Importantes membros da Opep+, a união da Organização dos
Países Exportadores de Petróleo com aliados, os países já vinham restringindo a
entrega de cargas desde julho, uma medida considerada inicialmente temporária.

Até agosto, a cotação do Brent variava na faixa dos US$ 82 aos US$ 87, o que já representava uma diferença de até 20% em relação ao patamar utilizado como base no momento em que a Petrobras reduziu os preços de seus combustíveis.

A diferença no valor praticado pela estatal em relação aos custos de se importar o combustível tornava a importação menos viável, o que fez com que, em meados do mês, houvesse restrições na entrega de cargas em algumas bases de distribuição para os postos, segundo entidades do setor.

Em meio a preocupações de analistas e operadores do mercado com o desabastecimento de diesel no país, a Petrobras reajustou, no dia 16 de agosto, o valor do diesel e da gasolina produzidos em suas refinarias em 25,8% e 16,2%, respectivamente, depois de três meses evitando mudanças nos preços.

Com o anúncio da extensão no corte de fornecimento de petróleo do cartel da Opep+, o valor do barril do tipo Brent subiu ainda mais e superou os US$ 90 pela primeira vez neste ano no dia 5 de setembro. No maior nível desde novembro de 2022, contratos futuros do ativo eram negociados em Londres próximos de US$ 92 nesta quarta-feira (13).

Com isso, a defasagem do preço dos derivados de petróleo praticados pela Petrobras aumentou. Nesta quarta-feira (13), a diferença do valor cobrado pela estatal em relação ao produto importado chegava a 16% no caso do diesel e a 11%, no da gasolina, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).

O Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) calcula um
descolamento de 15,86% no preço da gasolina da Petrobras em relação ao valor
para o importador e de 15,52% no caso do óleo diesel.

Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Petrobras informou que não antecipa suas decisões de preços e que “eventuais reajustes são realizados no curso normal de seus negócios, suportados por análises técnicas e independentes”.

“A estratégia comercial adotada pela companhia desde maio de 2023 passou a incorporar as suas melhores condições de produção e logística para a prática de preços competitivos frente às principais alternativas de suprimento. Também conseguimos proporcionar períodos de estabilidade de preços para os nossos clientes, evitando o repasse para os nossos preços da volatilidade conjuntural do mercado de petróleo e derivados”, diz a nota.

A estatal acrescenta que observa o equilíbrio com os mercados internacional e nacional, levando em consideração sua participação no mercado, o que permite a otimização dos seus ativos, de modo a operá-los “de maneira segura e rentável”.

Preço de combustíveis tem peso importante nos indicadores de inflação

O represamento de aumentos por parte da estatal influencia diretamente na contenção da inflação do país, um dos desafios do governo federal, que briga para reduzir o patamar da taxa de juros definido pelo Banco Central (BC).

Segundo a última edição do boletim Focus, divulgada pelo BC na segunda-feira (11), a expectativa do mercado é de uma taxa de inflação de 4,93% em 2023, frente a uma meta de 3,25% com banda máxima de até 4,75%.

O grupo “transportes” tem peso de 20% na composição do
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial de variação de
preços do Brasil. Só a gasolina corresponde a 5% do indicador.

Com o reajuste anunciado em meados de agosto, o combustível teve alta de 1,24% no mês, segundo os números divulgados nesta terça (12) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o diesel sofreu uma elevação de 8,54%.

Corte na oferta, inverno europeu e furacões nos EUA podem fazer petróleo subir ainda mais

Especialista no mercado de combustíveis da consultoria Argus, Amance Boutin explica que Rússia e Arábia Saudita são dois dos principais produtores de petróleo do mundo, de modo que o corte na oferta do produto pelos países interfere fortemente nos preços do produto em nível global. “Em termos de oferta, isso não é trivial”, diz.

Além disso, o petróleo produzido em ambos os países tem densidade
média para pesada, que tem bom rendimento para a produção de destilados médios,
entre os quais está o diesel e o querosene de aviação.

“Se olhar as cotações internacionais, você vai reparar que a
reação do diesel foi muito maior do que a da gasolina, porque muito da produção
da gasolina, principalmente dos Estados Unidos, tem sido suprida via correntes que
são oriundas do processamento de gás natural”, diz Boutin.

Olhando para o lado da demanda, além de depender mais da
produção russa e saudita, o diesel, dependendo do nível de refino e de
dessulfurização, concorre com o óleo de calefação, que tende a ser muito consumido
no inverno europeu, especialmente agora que países da União Europeia estão
evitando ao máximo a utilização do gás natural russo.

Com início em dezembro, o inverno no Hemisfério Norte coincidirá com o fim do prazo para as restrições na oferta de petróleo por parte dos países da Opep+. A manutenção ou não do preço do petróleo no patamar acima dos US$ 90 por barril vai depender em grande parte, portanto, das temperaturas do inverno no Hemisfério Norte, explica o analista da Argus. “É uma incógnita, na verdade. Se a temperatura cair muito, tende a aumentar o preço [do petróleo]”.

Ao mesmo tempo, a procura mundial por petróleo cresce com o aumento do consumo chinês e do uso de combustível para aviação. Segundo relatório divulgado pela Agência Internacional de Energia (AIE) nesta quarta-feira (13), a demanda mundial deve subir 2,2 milhões de barris por dia neste ano, para uma média de 101,8 milhões.

Outro ponto de atenção, destaca Boutin, é a temporada de furacões nos Estados Unidos, que pode atingir a região do Golfo do México, onde está concentrado o parque de refino norte-americano. “Usando essa metáfora do clima, seria uma tempestade perfeita”, afirma.

Diesel russo já representa 73,4% de todas as importações do combustível pelo Brasil

A situação do preço do diesel no Brasil é amenizada desde o início do ano com o aumento das importações de combustível russo, impulsionadas por descontos oferecidos pelos produtores do país de Vladimir Putin diante do banimento de compras por países da União Europeia.

De irrelevante até o fim do ano passado, o derivado russo chegou ao nível recorde de 73,4% de todo o diesel importado pelo mercado brasileiro no mês de agosto. Mas, como o diesel produzido na Rússia também vem acompanhando a alta das cotações internacionais, há pressão sobre os preços no Brasil de qualquer forma.

Segundo cálculos da Argus, a defasagem do diesel brasileiro
para o importado da Rússia chegou a 9,8% na última sexta-feira (8), enquanto a
diferença para o importado não russo era de 15,1%.

“Como a Petrobras não consegue suprir tudo o que é consumido no Brasil, você tem basicamente dois mercados de diesel”, comenta Boutin. “O principal é o fornecido pela Petrobras, do qual todas as distribuidoras vão tentar extrair o máximo que puderem”.

“O resto vem do mercado secundário, chamado de barril marginal, o que é preciso comprar para completar a oferta da Petrobras. Esse produto é mais caro, mas vindo da Rússia tem uma defasagem menor”.

Fonte

Mostre mais

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Por favor desativar seu adblock para continuar!