Em 2022, no Brasil, o número de suicídios cresceu 11,8% em relação a 2021, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Com 16.262 registros no último ano, tanto o país quanto a América Latina têm visto aumentos nos casos, ao contrário da média do restante do mundo, que apresenta decréscimo nos casos. Que fatores estão envolvidos? Como melhor prevenir o suicídio? Todos os anos, o nono mês é reservado para a campanha Setembro Amarelo, direcionada à conscientização e prevenção da prática.
Segundo a Agência Brasil, o suicídio é um fenômeno multifatorial, não sendo fruto simplesmente de uma única condição na vida do suicida. Nos últimos anos, por exemplo, houve um impacto da pandemia de coronavírus e do declínio das condições socioeconômicas, principalmente na América Latina, afetando a saúde mental — o que se junta a questões sociais já estabelecidas e falta de investimento na prevenção.
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Para entender melhor a questão, o Canaltech conversou com o Dr. Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP, membro da Associação Americana de Psiquiatria (APA), que comentou sobre os aspectos desse crescimento nos suicídios no Brasil e como fazer para evitar a situação com entes queridos.
Por que os suicídios cresceram no Brasil?
Segundo contam especialistas à Agência Brasil, a pandemia teve uma grande influência no aumento de suicídios por todo o mundo — o desemprego e a precarização das condições de trabalho, em especial, contribuíram para a piora da saúde mental, junto a fatores como depressão, ansiedade, estresse e solidão, causados também pelo isolamento e luto pela perda de pessoas próximas.
Mas por que um aumento no Brasil, em especial? Segundo Scocca, a questão também está relacionada ao modo como políticas públicas lidam com o problema. Desde a virada do milênio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os profissionais de saúde mental têm se preocupado com o aumento de suicídios, propondo estratégias específicas para seu combate. Muitos países foram bem-sucedidos, o que não é o caso por todas as Américas, não apenas em nosso país.
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Até mesmo de um ponto de vista mais frio e econômico, dados indicam que, a cada dólar investido na prevenção de suicídio, US$ 4 são recebidos de volta, em termos das pessoas economicamente ativas e trabalhadoras que continuam no mercado, então fazer campanhas não é apenas humano, até mesmo lucrativo.
Medidas anti-suicídio envolvem uma redução dos métodos disponíveis, como campanhas de desarmamento e de conscientização em pessoas do campo, que têm acesso fácil a pesticidas, eficientes para dar fim à própria vida. O tratamento midiático também é importante — a própria OMS alerta para que casos não sejam tratados com sensacionalismo, e detalhes sobre o método de suicídio sejam evitados, para que não exista o “efeito contágio”.
Entre os elementos mais importantes, está a desmistificação da saúde mental e seus transtornos relacionados. Ainda há muito tabu e desconhecimento, com grandes parcelas da população tendo vergonha de tratar do assunto com seus entes queridos e ficando desamparadas quando passam por problemas.
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De acordo com o Scocca, o investimento em campanhas de conscientização e informe ainda é muito pequeno — ele dá atenção ao fato de que o suicídio, como causa de morte, fica acima de complicações pela AIDS, câncer de mama e malária, por exemplo, sendo responsável por 1 a cada 100 falecimentos. A questão é que, com muito investimento no combate a doenças como essas, seus casos puderam ser mitigados, como no caso da AIDS.
Com a pandemia, programas de apoio online e de atendimento por telefone, como o Centro de Valorização da Vida (CVV, com o número 188) e o Pode Falar, da Unicef, que já funcionavam, cresceram e passaram a atender cada vez mais pessoas. O último relatório de atividades do CVV mostra que o serviço atende uma média de 8 mil ligações por dia, via 3,5 mil voluntários.
Ainda assim, é pouco — falta focar na prevenção de eventos graves, mostrar às pessoas que não é “mimimi”, que a saúde mental é tão séria quanto a saúde física e que é normal e extremamente salutar procurar ajuda.
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Há, também, recortes sociais, como lembra Scocca. Um relatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), por exemplo, publicado na revista científica The Lancet, os homens ainda são maioria nos casos de suicídio, com cerca de 79% dos casos nas Américas.
Isso pode ter ligação com expectativas culturais de que homens devem ser fortes e não precisar de ajuda. Ainda assim, os casos entre mulheres também sofreram um aumento, e ambos estiveram ligados ao desemprego, baixa escolaridade e violência.
Como identificar sinais de alerta?
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Segundo o médico, é indispensável o atendimento por profissionais de saúde quando são vistos sinais de alerta para comportamento suicida, como psicólogos e psiquiatras. A tendência das pessoas que estão mal é negar, afirmar que está tudo bem — mas, quando os indícios começarem, a atenção deve ser redobrada. São eles:
- Isolamento e distanciamento de grupos sociais;
- Deixar interesses de lado;
- Muito silêncio, choro e humor deprimido;
- Abuso de substâncias como álcool e drogas, bem como outros comportamentos destrutivos;
- Quebra de hábitos saudáveis, como exercícios, lazer e afins;
- Rompimento com amigos e parceiros, ou mesmo despedida de familiares, frases como “não verei vocês no próximo natal”;
- Insônia.
O psiquiatra ainda indica que processos de luto podem, de início, parecer com um comportamento de risco. Isso é parte natural da perda, mas há de se prestar atenção no caso dos sintomas depressivos não cederem, já que um desenvolvimento ruim pode acabar gerando comportamento suicida.
Como ajudar a evitar que alguém cometa suicídio?
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O mais importante, frisa-se, é não tratar a questão como um tabu — é vital perguntar “você tem pensado em morte? Está pensando em suicídio? Tem pensado em suicídio? Vamos conversar sobre isso”. Algumas pessoas acham que falar sobre o assunto é dar a ideia ou incentivar a atitude, mas isso não é verdade. Falar é o melhor caminho para a prevenção ao suicídio.
Além de não ser um incentivo, falar sobre o assunto pode ser a abertura da primeira porta para a pessoa se abrir. Não fale coisas como “mas você tem tudo, veja como gostam de você, veja como há pessoas que estão pior”. É preciso, claro, na educação de alguém, ensinar a dar valor às coisas, mas em um momento depressivo e potencialmente suicida, isso não ajuda. O melhor é falar sobre o assunto de maneira direta, respeitosa e preocupada.
Quando o comportamento potencialmente suicida é identificado, é necessário ter conversas, e, quando isso não é possível, deve-se levar a pessoa a um profissional de saúde, mesmo que à força, segundo Scocca, pois isso pode salvar sua vida. Racionalizar, dizer que não há motivos para se suicidar não ajuda — afinal, se há vontade, para a pessoa, há motivos.
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Com os alertas da Agência Brasil e as dicas de Scocca, a unanimidade é que procurar ajuda profissional é essencial para cuidar da saúde mental e receber auxílio.
Setembro Amarelo e instituições de apoio
Todos os anos, a campanha de conscientização Setembro Amarelo busca informar a população acerca dos sinais de alerta para comportamento suicida, como os que acima citamos. Segundo dados levantados pela iniciativa, pacientes com depressão demoram 39 meses para procurar ajuda — número que precisa ser melhorado, especialmente com a ajuda de familiares.
O projeto foi lançado em 2014, sendo uma associação entre o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), estendendo a concientização do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que ocorre no dia 10 de setembro desde 2003.
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Além de psicólogos, psiquiatras e médicos de confiança, há diversos serviços disponibilizados pelas plataformas responsáveis pelo Setembro Amarelo e por outras. Confira:
- Centro de Valorização da Vida: Oferece apoio emocional e prevenção do suicídio por telefone (discando 188), e-mail e chat 24 horas todos os dias;
- Mapa da Saúde Mental: a plataforma traz uma lista de locais para atendimento voluntário, tanto on-line quanto presencial;
- Pode Falar: canal lançado pela Unicef para ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. É anônimo, gratuito e inclui indicação de materiais de apoio e serviços;
- Centros de Atenção Psicossocial: Os CAPS são serviços especializados de saúde mental de caráter aberto e comunitário, ou seja, inseridos na comunidade e que funcionam em regime de porta aberta, sem necessidade de agendamento prévio ou encaminhamento para ser acolhido no serviço. Você pode encontrar o CAPS da sua cidade através de buscas em serviços de mapas online ou em listagens do governo.