Mundo Bélico | Entenda por que o maior poder do Superman é sua humanidade

Tem muita gente que até hoje não vê graça no Superman, seja porque talvez o vejam como um ser muito poderoso ou certinho demais. Eu também o via dessa maneira quando era bem mais novo. Mas a verdade é que eu não o conhecia tão bem — e por que os anos 1990 maltrataram muito o herói, justamente no período que passei a acompanhá-lo melhor. E, depois de Grandes Astros: Superman e Relógio do Juizo Final, a Saga do Mundo Bélico talvez seja o mais importante arco do herói das últimas décadas.

Antes de entrarmos no que de mais importante esse épico resgatou e atualizou no herói, é preciso entender um pouco o contexto em que foi publicado. Entre os anos 1990 e 2020, a DC tentou atrair novos leitores com várias mudanças em toda sua linha, mas, na maioria das vezes, as publicações eram muito confusas e desordenadas. E a editora demorou a entender que, para alinhar todas as suas publicações, é preciso primeiro acertar a base de todas as suas criações: o Superman.

Grandes Astros: Superman, de Grant Morrison e Frank Quitely, mostrou o caminho, com uma carta de amor a toda a trajetória de Kal-El, mas em uma trama definitiva sobre o herói que não faz parte da cronologia oficial. Então veio Relógio do Juízo Final, com Geoff Johns e Gary Frank trazendo de volta o amor, a esperança e o legado de volta à DC, após o fracasso dos Novos 52, o reboot que acabou com os casamentos, filhos e aliados de uma mesma casta de heróis — na trama, Doutor Manhattan descobre que, em todas as Terras do Multiverso, sempre há um alienígena adotado por humanos bondosos que se torna um símbolo de esperança.

Na Saga do Mundo Bélico, tudo o que Morrison e Johns destacaram no Superman foi reafirmado, em uma atualização do herói que veio para apresentar todo o seu brilho para uma nova geração de leitores, sem deixar de lado os elementos clássicos celebrados pela velha guarda de fãs. E mais, foi a partir daí que Kal-El passou a evoluir em todos os aspectos, tanto em sua mentalidade sobre o que é ser um super-herói quanto no desenvolvimento de novas habilidades.

Depois disso, o herói retornou para a Terra com poderes incríveis, como teletransporte e controle gravitacional, entre outros. Ele também passou a ser um guardião de toda galáxia, e não apenas de seu lar adotivo, além de ter mudado seu pensamento sobre intervir em problemas mais mundanos — o herói muitas vezes era questionado sobre não fazer muito para ajudar em questões como fome, miséria, conflitos políticos, entre outras coisas.

Anteriormente, o Superman achava que a humanidade deveria ser capaz de resolver seus próprios problemas, sem a intervenção da Liga da Justiça. Agora, ele se tornou um herói mais proativo, mais conectado com a população da Terra. Ele, por exemplo, criou uma fundação para monitorar os problemas cotidianos e acelerar pesquisas e inovações, a partir de um projeto que é comandado por heróis humanos. Apesar de se considerar um de nós, Clark teve que compreender que muita gente não confia em um alienígena super poderoso, então ele deu as chaves de seu parque científico para Aço, o codinome de Henry Irons.

O caminho até o Mundo Bélico

Tudo começa após o evento Estado Futuro, um soft reboot da DC Comics para apresentar o legado de seus ícones. Um dos sucessores é Jon Kent, filho de Clark e Lois que foi para o futuro treinar seus poderes com a Legião dos Super-Heróis, assim como aconteceu com seu pai. Jon descobre que no século 30 seu pai é capturado pelo vilão Mongul e morre no Mundo Bélico como um gladiador, em um período não muito distante do atual presente.

Embora o Superman e a Legião dos Super-Heróis tenham preparado Jon para ser o Superman da Terra, ele diz que ainda não está pronto para desempenhar esse papel. No prelúdio da Saga do Mundo Bélico, o Mongul que todos conheciam está morrendo e será substituído por um filho que ninguém sabia que existia.

Enquanto isso, Batman e Eléktron, após uma análise biológica em Clark, descobrem que ele está enfraquecido por conta de envenenamento radioativo alienígena. Não bastasse isso, o Superman precisa lidar com uma nave extraterrestre que cai na Terra com um trio de felosianos, uma raça antiga e esquecida de Krypton que pode manifestar superpoderes quando energizados por um misterioso material chamado Gênesis.

E é por conta desse fragmento que já vemos o escritor Phillip Kennedy Johnson brilhar com sua caracterização de cada membro da Liga da Justiça e, especialmente, o Superman.

Treta em Atlântida e viagem ao Mundo Bélico

Como a nave felosiana cai nos domínios do Aquaman, o povo atlante cobra para si o fragmento de Gênesis que veio junto com os alienígenas. Além disso, os guerreiros submarinos mantêm os forasteiros sob custódia. Enquanto isso, o governo dos Estados Unidos reclama a pedra Gênesis para o país, e aí começa um conflito com os atlantes.

A Liga da Justiça intervém, mas Aquaman diz que não pode ajudar, enquanto o Batman cobra uma solução de Arthur, que dá as costas para o Homem-Morcego. Superman, que normalmente é diplomático e mais calmo, toma a decisão de guardar a pedra Gênesis e levar os felosianos para a Fortaleza da Solidão. Isso provoca um conflito com o Aquaman, com o governo dos Estados Unidos e com a própria Liga da Justiça, que expulsa cordialmente Clark do grupo.

Muita gente já não confia em Kal-El pelo fato de ele ser um alienígena, e seu atrito com os atlantes e com o governo estadunidense torna inviável sua presença na Liga da Justiça naquele momento. Clark, então, decide cumprir uma promessa a uma felosiana do trio que caiu na Terra: a de libertar os outros que ficaram no Mundo Bélico como escravos de Mongul.

E aí, já vemos como o senso de justiça, liberdade e esperança norteia todas as decisões de Clark. A felosiana a quem ele prometeu isso foi enviada com o trio para matar o Superman e sua família. Mas ele consegue mudar a ideia dela, explicando conceitos básicos para pessoas que viveram muito tempo em uma cultura deturpada, baseada no medo e na violência do regime de Mongul no Mundo Bélico.

A jornada épica do Superman no Mundo Bélico

Como não pode contar com a Liga da Justiça, o Superman pede ajuda ao grupo Authority, que parte com o herói para o Mundo Bélico. É difícil resumir tudo o que aconteceu com todos eles, especialmente com Clark, em poucas palavras, e tudo começa com a derrota do Superman, que já estava enfraquecido e fica sem poderes no planeta de Mongul, por conta de uma instalação capaz de irradiar a energia do sol vermelho.

Assim, Clark é escravizado em um mundo que se alimenta de ódio, violência, agressão e morte. Mas o Superman mostra mais uma vez que seu maior poder é sua humanidade. Mesmo sem poderes, espancado, preso e humilhado, ele aos poucos transforma todos ao seu redor, mostrando que cada vida importa. Que bondade, respeito, generosidade, compaixão, resiliência e coragem podem transformar pobreza de espírito e maldade em esperança.

Como ele faz isso? Clark não mata nenhum oponente e só doma as criaturas em suas batalhas como gladiador; dá a outra face para quem o julga, maltrata e ignora; ouve cada uma das pessoas ao seu redor, pondera, respeita, muda de ideia quando necessário; reconhece o valor de cada um e ajuda a todos, seja com palavras de inspiração ou com atitudes que valorizam a vida, a justiça e a verdade. E, claro, ele também faz isso com sua inteligência e experiência em batalhas.

Aos poucos, o povo que não enxergava os valores deturpados que Mongul destilava em seu regime, começa a entender a situação vivida por tantas pessoas ao longo de muito tempo. A população passa a torcer pelo Superman nas batalhas de gladiadores e se tornam aliados de Clark em vários planos, inclusive o de encontrar uma rocha criada por deuses ancestrais que é capaz de energizar seu detentor com um poder divino.

No ápice da trama, o Superman consegue vencer vários desafios para obter a rocha, que, na verdade, era o verdadeiro objetivo de Mongul — o vilão precisava de Clark, que talvez fosse o único capaz de enfrentar os testes e enigmas para convencer a guardião do artefato de que ele é digno e sábio o suficiente para conseguir isso.

E aí vemos novamente o coração altruísta e o caráter incorruptível de Clark brilhar novamente: mesmo um poder imenso em suas mãos, com a capacidade de virar o jogo contra Mongul, ele usa a energia conquistada para ressuscitar um garoto felosiano que morreu nas mãos do vilão. Mongul fica incrédulo, e não compreende por que o Superman abriu mão de algo tão valioso em troca da vida de um garoto “irrelevante”. “Cada vida importa”, diz o Homem de Aço.

No final, após bastante tempo no Mundo Bélico, Clark lidera seus novoa aliados e o pessoal do Authority em planos executados simultaneamente em três frentes, A estratégia dá certo, e um gerador Gênesis é ativado para reenergizar o Homem de Aço e os felosianos. Nesse ponto da história, o Superman, mesmo sem poderes e escravizado, já tinha imposto uma derrota ao Mongul ao minar pacientemente a influência do vilão sobre a população. Para completar, com toda sua força de volta, ele nem mesmo precisa de muito esforço para derrubar o vilão no combate físico. O Mundo Bélico se vê livre das garras do ditador. A essa altura, todos os escravos compreendem a bússola moral do Superman e se guiam por meio dela para construir vidas mais dignas para todos. E, mais uma vez, o Homem de Aço se torna um símbolo de esperança para todos ao seu redor.

O retorno para a Terra na conclusão de uma saga espetacular

Após as 24 edições que compõem a Saga do Mundo Bélico, o Superman volta para a Terra mais poderoso do que nunca. Seu treinamento com os gladiadores, seu aprendizado com outras culturas e o período que passou sob o sol vermelho, assim como a absorção de energia vinda de uma fonte Gênesis, dão a Clark uma potência nunca vista, assim como novas habilidades. “Espaço e tempo são conceitos que já não fazem mais sentido para mim”, diz o próprio Homem de Aço.

Superman também adota dois felosianos, que partem com ele para a Terra. E, no retorno, Phillip Kennedy Johnson deixa vários subplots interessantes abertos para serem explorados, como o fato de as crianças alienígenas causarem ciúmes em Jon Kent, que os vê sendo tratados como nunca foi, já que ele foi ainda criança para o futuro treinar com a Legião dos Super-Heróis; além do atrito com Aquaman e com o governo dos Estados Unidos, entre outros.

Embora hajam muitas similaridades com a saga Planeta Hulk, inclusive uma arte pintada por Riccardo Federici que lembra os quadrinhos europeus de ficção científica da Metal Hurlánt, a Saga do Mundo Bélico diverte e emociona por trazer personagens bem resolvidos e interessantes, em uma trama com cada peça bem amarrada. Há uma ou outra coisa mais pobre, como o desenvolvimento e os integrantes da aventura paralela para a conquista da rocha dos Deuses Ancestrais.

Mas, no geral, a Saga do Mundo Bélico é uma reverência a elementos clássicos do Superman e a detalhes criados por Geoff Johns e Grant Morrison, que ajudou Phillip Kennedy Johnson a escrever o roteiro.

Se você não sabe como é emocionante ver um outsider amar seu lar adotivo, mesmo sabendo que nunca será um de nós; se não entende que nenhum soco ou visão de calor pode ser tão poderoso quanto o altruísmo; se não vê como o Superman tem uma fonte de luz própria para inspirar todas as criaturas ao seu redor; então essa é sua chance de aprender a amar o último filho de Krypton.

A Saga do Mundo Bélico prova uma vez mais qual é o maior poder do Superman, algo que é hipnotizante, contagiante e irresistível: é sua humanidade.

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