Atividade econômica desacelera com juros em alta e atinge comércio, serviços e indústria

Juros em patamares elevados. Crédito mais contido. Expectativas de crescimento do PIB em queda. O retrato do desaquecimento da atividade econômica está cada vez mais evidente. Mas ele atingiu os setores de forma diferente. Nos serviços, a taxa de crescimento ainda é vistosa, mas o ritmo de expansão vem perdendo força; no comércio, as expectativas são de mais um ano de crescimento abaixo de 2%, situação que se repete desde 2018. Na indústria, segmentos mais dependentes do crédito estão sofrendo mais do que aqueles vinculados à renda ou exportáveis.

O cenário para a economia brasileira não é dos mais favoráveis: o ponto médio das projeções para o crescimento do PIB está em queda há duas semanas, segundo o boletim Focus do BC. Começou o ano em 0,8% e agora está mais próxima de 0,75%.

As expectativas para o corte nos juros neste ano vêm diminuindo. A taxa Selic atualmente está em 13,75% e a sinalização de bancos, consultorias e corretoras para o final do ano está em 12,75%.

Uma esperança pode vir do outro lado do mundo, diz o diretor
de gestão de investimentos da Nova Futura, Pedro Paulo Silveira. As
expectativas para o crescimento da economia brasileira podem melhorar se os dados
observados da economia chinesa superarem as expectativas. Atualmente, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) projeta um crescimento de 5,2% para a China.

Veja, a seguir, como está ocorrendo a desaceleração nos
principais segmentos de atividade econômica, na arrecadação e no mercado de
trabalho.

Comércio: juros e renda disponível afetam vendas

O crescimento de 1% no comércio varejista no volume de vendas
no ano passado e a quinta melhora seguida na taxa de crescimento em 12 meses,
que em julho era de -1,8%, não animam o setor. Segundo o Itaú, a atividade ainda
sente os efeitos da queda de renda disponível e do efeito defasado da alta na
taxa de juro. A instituição financeira aponta que a desaceleração já era esperada.

Desde 2018 que o setor não se expande a um ritmo superior a
2%, o que segundo as expectativas da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo deve se repetir neste ano. As projeções indicam para uma
expansão menor neste ano: 0,6%.

O desempenho em dezembro frustrou o setor. As vendas foram
2,6% menores em comparação ao mês anterior. “Diante do frustrante resultado de
dezembro, após 11 meses, o volume de vendas no varejo voltou a se situar abaixo
do patamar observado imediatamente antes da decretação da pandemia de
covid-19”, diz o economista Fabio Bentes, da entidade empresarial.

O desempenho mais fraco deve se refletir em resultados mais
tímidos para as empresas do setor nesse período, aponta o analista de varejo do
Inter, Breno de Paula.

“No varejo alimentar, apesar da estabilização da inflação de
alimentos, os preços ainda seguem elevado. O resultado financeiro continua
pressionado, mas o lucro líquido e a geração de caixa devem refletir o período
de forte sazonalidade (4° trimestre de 2022). Para o vestuário, o resultado
deve vir mais uma vez pressionado. O trimestre foi afetado pelo baixo fluxo de
pessoas nos shoppings durante o período de Copa do Mundo e pelo clima mais frio
que o habitual. Por fim, o ecommerce também sofreu com o baixo fluxo de
consumidores durante a Copa.”

Ele também lembra que, apesar das linhas de crédito terem
sido controladas, elas devem refletir um aumento na inadimplência. “O resultado
financeiro deve continuar corroendo o resultado operacional”, escreve em
relatório.

O desempenho do comércio piora se forem incluídas as vendas
de material de construção e de veículos, motocicletas, partes e peças, que, com
o varejo, compõem o comércio varejista ampliado. Segundo o IBGE, o volume de
vendas caiu 0,6%.

A Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção
(Abramat) aponta que a perda do poder de compra das famílias em um contexto de
inflação persistente fez com que elas postergassem investimentos.

As vendas de veículos para o mercado interno atingiram 2,1
milhões de toneladas em 2022, 0,7% abaixo de 2021, confirmando um quadro de
estabilidade projetado pela Associação Nacional de Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea) desde a metade do ano passado.

Indústria tem quarto resultado não positivo em cinco meses

Um dos setores que está sentindo mais fortemente os efeitos
do desaquecimento da atividade econômica é a indústria. A produção industrial
em dezembro ficou estável em relação ao mês anterior, aponta o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o quarto resultado não positivo
em cinco meses.

No quarto trimestre, o desempenho foi 0,5% inferior ao do
trimestre anterior, ficando 1,3% abaixo do nível de dezembro de 2021 e 2,2%
aquém do nível pré-pandemia, aponta a XP Investimentos.

A corretora avalia que a recuperação da massa de renda real
ampliada disponível às famílias (elevação dos rendimentos reais do trabalho e
maiores transferências governamentais) fornece alguma sustentação para os
gastos com bens de consumo não duráveis. Mas outras categorias, como a de bens
de consumo duráveis sofrem com o aperto às condições de crédito e o
endividamento elevado do consumidor.

No ano, a produção industrial acumula retração de 0,7% em
comparação com 2021. Mas outros indicadores, da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), sinalizam para alguns avanços: o faturamento real (já
descontado a inflação) teve crescimento de 2,8% no ano passado; o nível de
emprego aumentou 1,5%; as horas trabalhadas, 2,7%,

Segundo Larissa Nocko, economista da entidade, o
encerramento de 2022 traz resultados positivos, mas não para serem comemorados,
uma vez que apenas em alguns casos houve recuperação das perdas sofridas no ano
anterior. “Há também uma perspectiva de estabilidade para a produção industrial
do ano.”

Serviços: crescimento mais moderado em 2023

O volume de serviços prestados cresceu 8,3% no ano passado,
em comparação a 2021. Apesar de ser um número melhor que o de outros setores da
economia, vem mostrando há três meses consecutivos uma desaceleração no ritmo
de expansão.

Apesar desse cenário, os resultados vieram melhor do que o
esperado em dezembro – a receita real do setor cresceu 3,1% frente a novembro,
acima dos 1,3% esperados pelo mercado -, mas, mesmo assim, registrou uma
desaceleração significativa no quarto trimestre.

A tendência é de crescimento para 2023, embora em ritmo mais
moderado. O Itaú aponta que é de que o movimento de desaceleração siga ao longo
deste ano, motivado pela menor renda disponível e ao maior impacto dos juros em
níveis elevados.

Outros fatores que também devem influenciar, segundo a XP
Investimentos, são a dissipação dos impulsos “pós-pandemia” e uma demanda mais
fraca por parte das empresas.

Mercado de trabalho reflete desaquecimento da atividade econômica

Os impactos do desaquecimento da atividade econômica também
são sentidos no mercado de trabalho, mesmo com a taxa de desemprego tendo caído
para 8,1% no trimestre móvel encerrado em novembro, segundo o IBGE. Em outubro,
estava em 8,3%.

“A estabilidade da taxa de desemprego ocorreu em razão do
recuo do emprego (-0,7% na variação mensal) ter sido compensado por nova queda
na taxa de participação (para 62%, de 62,4%)”, destaca a equipe de análise
econômica do Itaú.

Segundo a instituição financeira, o emprego recuou tanto no
setor formal quanto no informal. “Essa desaceleração deve continuar à frente,
uma vez que esperamos um crescimento do PIB de 0,9% em 2023, impulsionado
principalmente pelo setor agropecuário, mas afetado negativamente por condições
monetárias mais apertadas e desempenho econômico mais fraco”, apontam os
economistas.

Arrecadação mostra perda da tração da atividade econômica

Outro sinal da perda de tração da atividade econômica está
na arrecadação de impostos. Apesar do recorde histórico mensal em dezembro – R$
210,2 bilhões, um aumento real (já descontada a inflação em relação ao mesmo
mês de 2021 -, mostra sinais de desaceleração da atividade econômica.

Segundo o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos,
os resultados de dezembro continuaram a mostrar uma tendência de desaceleração,
refletindo principalmente os cortes de impostos implementados ao longo de 2021
e a desaceleração da atividade econômica.

“É preocupante que os impostos relacionados ao lucro
(IRPJ/CSLL) tenham apresentado queda em dezembro em comparação ao mesmo mês de
2021, uma vez que essas receitas foram fundamentais para o desempenho da
arrecadação no ano passado”, diz. Ele aponta que se isto for confirmado como
tendência, será necessário rever a previsão da arrecadação.

Em 2022, houve um recorde na arrecadação federal, que
atingiu R$ 2,22 bilhões, uma alta de 8,2% em termos reais em relação ao ano
anterior e recorde histórico. As principais contribuições, excluindo receitas
previdenciárias, foram serviços financeiros, combustíveis, extração de petróleo
e gás, fabricação de máquinas e equipamentos e serviços de informática.

Segundo Sbardelotto, serviços financeiros, combustíveis e
extração de petróleo e gás responderam por 84% da variação da arrecadação no
ano passado. “Assim, uma reversão dessas atividades, principalmente nos preços
dos combustíveis, poderia ter um forte efeito negativo nas receitas.

O Bradesco aponta que os efeitos da política monetária mais
restritiva sobre a atividade econômica irão prevalecer e os impactos sobre a
arrecadação desafiarão o equilíbrio fiscal.

Os impactos também serão repassados às contas públicas. O
Itaú lembra que o resultado superavitário de 2022 – superávit primário de R$
126 bilhões ou 1,3% do PIB – e a queda do endividamento público – de 78,3% do
PIB, em 2021, para 73,5% do PIB, em 2022 – foram devido a fatores temporários
ou que estarão presentes em menor magnitude neste ano, como um alto montante de
receitas extraordinárias, crescimento e inflação elevados, além de bons preços
das commodities.

“A implementação da PEC da Transição implica em um aumento significativo do gasto público em 2023, confirmando a perspectiva da volta de ima trajetória de elevação da dívida pública. Tal cenário na ausência de ações corretivas, pode levar a um ciclo de crescimento baixo, inflação e juros altos”, alerta a instituição financeira.

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