Estados perderam receita e aumentaram gasto com pessoal. Agora buscam socorro e mais ICMS

O aumento das despesas com folha de pagamento e o crescimento menor na arrecadação têm agravado a situação fiscal dos estados de forma generalizada. Enquanto anunciam elevação da alíquota modal do ICMS e pedem socorro à União, vários governos estaduais têm esbarrado no limite de gastos com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, nos 12 meses até agosto deste ano oito unidades federativas haviam superado o chamado limite prudencial de despesa com o funcionalismo do Poder Executivo, que corresponde a 95% do teto legal: Rio Grande do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Amapá, Minas Gerais, Acre, Roraima e Rio Grande do Norte.

Desses, os quatro últimos também ficaram acima do limite máximo que a LRF permite para gastos com servidores do Executivo ao fim do segundo quadrimestre, equivalente a 49% da receita corrente líquida (RCL). Segundo o artigo 23 da LRF, quando ultrapassado, esse limite precisa ser restabelecido nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço do ajuste no primeiro período.

Enquanto isso, o estado deixa de receber transferências voluntárias, exceto os repasses relacionados à Seguridade Social, perde a garantia do Tesouro ou outro ente público para empréstimos e fica proibido de contratar qualquer operação de crédito, exceto para refinanciar a dívida em títulos ou para reduzir gasto com pessoal, como com um plano de demissão voluntária.

O gestor que desrespeita o limite prudencial (46,55% da RCL) fica impossibilitado de conceder aumento real nos salários dos servidores, além de criar novos cargos ou funções, entre outras sanções – o objetivo é evitar que se atinja o limite máximo.

Nos três últimos quadrimestres, os 26 estados e o Distrito Federal somados gastaram R$ 439,6 bilhões de seus orçamentos com o pagamento de salários, um aumento nominal de 10,9% em relação a um ano antes.

A RCL, por sua vez, subiu apenas 3,9% em termos nominais, abaixo da inflação para o período, que foi de 4,61%, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Ou seja, em termos reais houve perda de arrecadação.

Parte importante dessa desaceleração na receita resulta da mudança no modelo de arrecadação do ICMS sobre combustíveis e da criação de um teto para a tributação estadual sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações, ambas medidas aprovadas em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Para amenizar o quadro, a União deve transferir aos governos estaduais R$ 27 bilhões até 2025 para compensar as perdas de arrecadação com o ICMS, conforme lei proposta pelo Executivo e aprovada no Congresso. Desse montante, R$ 8,7 bilhões foram liberados no fim de novembro.

Outros R$ 6,3 bilhões também foram repassados para compensar
a redução nas transferências aos Fundos de Participação dos Estados e do Distrito
Federal (FPE) e dos Municípios (FPM) em 2023 em relação a 2022.

O quadro de desequilíbrio nas finanças subnacionais, no
entanto, não é novo, apenas foi de certa forma elipsado nos últimos anos em
razão da crise provocada pelo surto global Covid-19 e da retomada econômica
pós-pandemia.

“Impulsionados por preços de commodities mais elevados e
surpresas de inflação entre 2021 e 2022, estados e municípios tiveram um salto
de receitas no período. Além disso, as restrições ao aumento de custos com o
funcionalismo durante a pandemia mantiveram as despesas sob controle”, ressalta
relatório recente do Departamento de Pesquisas Econômicas do Bradesco, assinado
por Thiago Angelis e Mariana Freitas.

Entre 2020 e 2021, a Lei Complementar 173/2020 limitou
contratações e gastos com pessoal como contrapartida a repasses extraordinários
da União aos estados para o enfrentamento da pandemia. Com o fim da emergência
sanitária, vários estados concederam reajustes salariais a partir de 2022, elevando
as despesas obrigatórias.

Em 2023, além da perda com as mudanças no ICMS promovidas no ano passado, o menor crescimento econômico e a queda no preço das commodities têm afetado diretamente a receita dos estados.

“E quando falamos em commodities, podemos citar todas: as
agrícolas, das quais dependem principalmente os estados do Centro-Oeste; as
metálicas, que afetam Maranhão, Minas Gerais e Bahia, por exemplo; e petróleo e
gás, que pegam Rio de Janeiro, Espírito Santo e um pouco de São Paulo”, cita Gabriel
Leal de Barros, economista e sócio da Ryo Asset.

“A situação já era delicada nos estados antes da pandemia, mas o problema ficou um pouco de lado em meio à retomada do crescimento da economia pós-Covid”, diz o economista.

“É aquela história: quando a maré está cheia, você não vê quem está sem roupa”, compara. “Ficamos com a maré cheia temporariamente durante 2021 e 2022, e agora que as coisas voltam à normalidade, está ficando mais claro o tamanho do problema.”

Ele lembra que nos últimos anos estados como Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul já aderiram ao chamado Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que visa auxiliar estados que estejam em situação de grave desequilíbrio fiscal com base em um arcabouço legal criado em 2017 e revisado em 2021.

No momento, Minas Gerais tem sua adesão ao RRF em trâmite, enquanto medidas para ajuste das contas do estado, que incluem a entrega de estatais mineiras ao governo federal, envolvem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em um movimento que sugere a formação antecipada de palanques eleitorais.

Pelo menos 12 governadores querem aumentar alíquota do ICMS

É nesse mesmo contexto que ao menos 12 governos estaduais já
anunciaram a intenção de elevar em 2024 a alíquota modal do ICMS: Ceará,
Pernambuco, Paraíba, Rondônia, Distrito Federal, Bahia, Paraná, Rio Grande do
Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Nas últimas semanas, a medida acabou gerando uma disputa de narrativas entre as administrações estaduais e o governo federal desde que representantes de estados do Sul e do Sudeste passaram a atribuir o aumento do tributo à reforma tributária, apoiado pelo Ministério da Fazenda.

Para Leal de Barros, no entanto, o aumento da alíquota modal do ICMS não será suficiente para compensar o desequilíbrio na maior parte dos governos estaduais. “O que acontece nos estados é um pouco do que ocorre em nível federal. Sem controlar a despesa, você não tem um efetivo domínio sobre a situação fiscal”, diz.

Ele defende que esse controle poderia ser facilitado pelos
governadores por meio de uma reforma administrativa que reduza a despesa com
pessoal, hoje responsável por cerca de 80% das despesas estaduais, em média. “É
a rubrica que os estados precisam ter controle, só que a minoria faz isso,
porque é uma agenda que demanda uma disposição política e convicção grandes”,
afirma.

“Fazer uma reforma administrativa, reestruturar cargos e salários, segurar concursos e reajuste salarial, cortar cargos comissionados, nem todo mundo está disposto”, diz. Outra medida que ele sugere para tornar os gastos mais eficientes é avançar na digitalização de serviços públicos, que, além de gerar economia nas finanças subnacionais, dá agilidade e capacidade de resposta aos estados.

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