Há quase um ano, Sebastião da Conceição, 49, acordou com as mãos tremendo e com sensação de muita ansiedade. Foi internado, ficou desacordado por cinco dias e precisou duas semanas para recuperar a memória. Esse foi o capítulo inicial de uma história que, em breve, poderá entrar em novo capítulo, cujo enredo inclui o transplante do fígado.
Sebastião esteve entre as mais de 500 pessoas que, na manhã deste domingo (15), participaram da 1ª Caminhada Passos pela Vida – Juntos pela Doação de Órgãos e Córneas, realizada no Parque dos Poderes, em Campo Grande. O evento, alusivo ao Setembro Verde e à Semana Estadual de Doação de Órgãos e Tecidos, tem o apoio da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS).
Autor da lei que alterou para os dias 21 a 27 de setembro a Semana Estadual de Doação de Órgãos e Tecidos, o deputado Renato Câmara (MDB), 1º vice-presidente da ALEMS, participou do evento, representando o Legislativo. Para o parlamentar, a iniciativa é um “sim” coletivo à vida. “Esse é um movimento de todos nós pela vida”, afirmou.
O deputado destacou que essa união fortalece o objetivo de zerar a fila por espera de órgãos. “Todos que estão envolvidos nesta caminhada são instituições que têm a vontade de zerar a fila dos transplantes e também para que tenham córneas suficientes para todos que precisam. Como fazer isso? Unindo esforços junto com a Assembleia Legislativa, junto com o governador do Estado até as pessoas e elas quebram esse preconceito da doação de órgãos e tecidos”, disse o deputado, enfatizando, ainda, o papel da Casa de Leis. “Com esse apoio, a Assembleia ajuda a dar voz às entidades que sempre reivindicam a necessidade de ter mais órgãos disponíveis. A Assembleia Legislativa abraça essa causa, junto com o presidente, junto com os demais deputados”, finalizou.
Os passos dados deste domingo dão força à caminhada de centenas de sul-mato-grossenses que aguardam por algum órgão. Apenas na fila de córnea, há mais de 400 pessoas, de acordo com a coordenadora da Central Estadual de Transplantes de Mato Grosso do Sul (CET-MS), Claire Carmen Miozzo. “A fila maior que temos hoje é a de córnea, que são mais de 400 pessoas”, disse. Para reduzir esse número, é preciso muita conversa em família para que, no difícil momento do luto, a vontade do doador seja realizada. “A pessoa tem que conversar com a família que deseja ser um doador. Na hora que os familiares estão enlutados e não sabem, ao certo, se a pessoa é doadora, acabam, muitas vezes, optando pelo não”, notou Claire.
A coordenadora também enfatizou a importância do apoio dado pelo Parlamento estadual e por outras entidades. “Esses apoiadores e colaboradores estão fazendo a diferença no nosso evento. Juntos somos fortes. E com todas essas pessoas envolvidas, temos certeza que vamos aumentar o número de doadores e, consequentemente, o número de transplante”, comentou.
Sebastião caminha para uma nova história
Ao lado da esposa, Juliana, Sebastião afirmou, convicto: “Foi ela que me salvou”. Juliana nega, dizendo que quem o salvou foi Deus. “Sim, Deus a usou como instrumento para me salvar”, ponderou Sebastião. Ele se referia à decisão de Juliana de não ir a uma pescaria na véspera do feriado de 11 de outubro (dia da criação de Mato Grosso do Sul), o que fez com que também desistisse de ir. “E o médico me disse que se eu não estivesse aqui na cidade, provavelmente não conseguiria sobreviver”, contou. Isso porque foi justamente no dia 11 de outubro do ano passado que Sebastião teve a primeira crise.
(Foto: Osvaldo Júnior)
“Eu acordei estranho, com muita ansiedade. Minhas mãos tremiam”, relatou. Juliana levou, às pressas, Sebastião ao hospital. Ele chegou muito mal e ficou cinco dias desacordado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital do Pênfigo, em Campo Grande. Depois de acordado, Sebastião precisou, ainda, de mais 15 dias para recuperar a memória. Essa e outras crises que vivenciou foram provocadas pela encefalopatia hepática, síndrome neuropsiquiátrica que surge a partir de doenças do fígado, principalmente a cirrose, que levam a excesso de amônia no sangue.
A cirrose, no caso de Sebastião, não tem causa identificada, porque ele não consome álcool e, até então, não fazia uso de medicamentos. “Neste ano, já tive cinco crises com ataque da encefalopatia, que causa transtornos mentais e comportamentos estranhos”, disse. “Aí eu fui para a equipe de transplante para ver em que grau estava o meu caso. Verificaram que estava dentro da necessidade de transplante, porque o remédio já não faz mais efeito”, contou.
Sebastião está fazendo o tratamento do fígado para que tenha condições de realização do transplante. Esse tratamento deve se encerrar em outubro e, assim, ele estará apto para entrar na fila. Como sua situação é considerada de extrema necessidade, deverá ficar na ponta da fila e, se tudo correr bem, ainda neste ano, poderá ter um fígado novo. Continuará, assim, sua caminhada, a mais importante, a da vida.
Apoio de superatleta e de super-heróis
A luta de Sebastião contou, na manhã deste domingo, com a força do atleta paralímpico Yeltsin Jacques, medalhista olímpico, e com de heróis da ficção (e da vida real), que integram a Liga do Bem.
“É fundamental estar aqui hoje apoiando uma causa tão importante como essa, que é a doação de órgãos”, disse Yeltsin, que trouxe de Paris medalha de ouro nos 1.500 metros, quebrando o recorde mundial na modalidade. “Precisamos conscientizar as nossas famílias, as pessoas do nosso convívio, sobre a importância da doação”, acrescentou. E ele, como atleta, percebe-se como responsável por somar a ações como a de hoje. “Nós, que somos atletas de alto rendimento, não devemos ficar só no esporte. Temos também o papel de ajudar na conscientização de boas causas, como saúde, qualidade de vida, educação”, finalizou.
Falando em nome do Homem de Ferro, da Fada dos Doces, da Professora Minerva, de um Power Ranger e tantos outros personagens, o Superman deixou o recado: “A gente não sabe quanto tempo vamos durar nesta vida. Esta vida é muito efêmera. Então, quando terminarmos o nosso ciclo e, se algo dentro de nós puder ser usado para salvar outra vida, por que não fazê-lo?”, disse o herói, que respondeu se chamar “Clark Kent”, ao ser perguntado sobre seu verdadeiro nome. “Não podemos dizer para não acabar a magia”, justificou.
MS dá importantes passos para reduzir a fila
A caminhada deste domingo se soma a importantes passos de Mato Grosso do Sul para reduzir a fila de espera pela doação de órgãos. O Estado tem avançado nas estatísticas. Dados do Sistema Nacional de Transplantes, do Ministério da Saúde, mostram que Mato Grosso do Sul encerrou 2023 com número recorde de 299 transplantes realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O resultado, 22% superior ao de 2022, também é o maior da série histórica da pesquisa, iniciada em 2001.
E a tendência dos números é de continuidade dessa trajetória. No primeiro semestre deste ano, foram realizados 152 transplantes em Mato Grosso do Sul, aumento significativo em relação aos 113 transplantes de igual período do ano passado. Entre os destaques estão os transplantes de córnea, que aumentaram de 97 para 128, e os de rim, que subiram de 14 para 20 no mesmo período.
Mês e Semana de conscientização da doação de órgãos
Mato Grosso do Sul conta oficialmente com a realização da Campanha Setembro Verde desde 2022, por meio da Lei 5.862. A Semana Estadual de Doação de Órgãos e Tecidos no Estado foi instituída pela Lei 1.414/1993. Essa normativa foi alterada pel Lei 5.410/2019, de autoria do deputado Renato Câmara. Com a nova lei, a Semana passou a ser realizada nos dias 21 a 27 de setembro.
Realização
A 1ª caminhada “Passos pela Vida – Juntos pela Doação de Órgãos e Córneas” foi realizada pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), por meio da CET/MS, Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul (Fundesporte), Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura (SETESC) e contou com o apoio da ALEMS e de outras instituições.
Fonte: Site Oficial da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul