Pesquisa feita ao longo de décadas conseguiu diferenciar entre produtos industrializados ‘mocinhos’ e ‘vilões’
Acontece que essa categoria é bem ampla, compreendendo cerca de 73 por cento do abastecimento alimentar dos EUA – e, estereotipicamente, inclui produtos “insalubres” como refrigerantes, balas e salsichas, e os aparentemente “saudáveis”, como pães integrais, cereais matinais, iogurtes saborizados e leites vegetais. “É uma miscelânea, sendo que algumas opções são mais prejudiciais que outras”, confirma Josiemer Mattei, professora associada de nutrição da Faculdade T.H. Chan de Saúde Pública de Harvard.
Em nove de setembro, a equipe de Mattei publicou um dos maiores e mais longos estudos sobre a relação entre essa classe alimentícia e a saúde cardíaca já feitos até hoje, no qual analisa os riscos de consumo e revela as piores opções.
O risco geral
Publicado pela “Lancet”, o experimento incluiu mais de 200 mil norte-americanos adultos, sendo que a maioria era branca e trabalhava na saúde. Aos participantes foi pedido o preenchimento de questionários detalhados sobre hábitos alimentares nos anos 80 e no início dos anos 90, refeitos a cada dois a quatro anos, durante aproximadamente três décadas. O objetivo era verificar a relação entre o consumo dos ultraprocessados e as chances de desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Depois do ajuste de fatores como tabagismo, histórico familiar, padrão de sono e atividade física, os pesquisadores descobriram que os maiores consumidores apresentavam 11 por cento mais chances de sofrer desses males, e 16 por cento de males coronarianos durante o período de análise, em relação aos que os consumiam menos. Além disso, também revelaram um risco ligeiramente elevado – mas não significativo – de ocorrência de um AVC.
Eles combinaram suas conclusões com as de outros 19 estudos, para uma análise separada de cerca de 1,25 milhão de adultos – e descobriram que os maiores consumidores de ultraprocessados apresentaram 17 por cento mais probabilidades de sofrer de doenças cardiovasculares e nove por cento de ter um AVC em relação aos que os consumiam menos. “Pela abrangência e pelas checagens constantes na dieta dos participantes, pode ser considerado um dos estudos mais robustos sobre a questão”, afirma Niyati Parekh, professora de nutrição em saúde pública da Universidade de Nova York.
Ela prossegue: “Entretanto, sofreu as limitações que são comuns a esse tipo de análise. Os questionários sobre dieta não foram criados para registrar como os alimentos foram processados, por isso os estudiosos tiveram de determinar os que provavelmente se encaixavam na categoria ‘ultra’ depois do fato. Além disso, os nutrientes e ingredientes de alguns alimentos, como os cereais matinais, podem ter mudado com o tempo, tornando os resultados menos aplicáveis ao que consumimos hoje. E como a grande maioria dos participantes era branca e bem-educada em matéria de saúde, a conclusão não representa o risco generalizado.”
Segundo Mattei, esse tipo de estudo não consegue comprovar causa e efeito, apenas mostrar que os ultraprocessados estão associados a riscos para a saúde. “O que impressiona é a constância da confirmação da relação entre os alimentos dessa categoria e as doenças em estudos no mundo todo.”
A diferença entre os ‘mocinhos’ e os ‘vilões’
Os pesquisadores também analisaram se alguns tipos de ultraprocessados estavam mais associados aos males cardiovasculares do que outros. Das dez categorias verificadas, duas se encaixaram nessa suposição: a de bebidas açucaradas (como refrigerantes e sucos de frutas) e a de carnes, frango e peixes processados (incluindo bacon, salsicha, peixe empanado, linguiça de frango e sanduíche de salame). De acordo com Kenny Mendoza, pós-doutorando da Faculdade T.H. Chan de Saúde Pública de Harvard que liderou a análise, quando essas duas foram excluídas dos dados, os riscos relacionados ao consumo praticamente desapareceram.
Por outro lado, outros alimentos estavam associados a riscos reduzidos de doenças cardiovasculares, entre eles os cereais matinais, os iogurtes saborizados e adoçados, frozen yogurt e sorvete e guloseimas salgadas como pipoca de pacote e bolacha água e sal. Esses resultados se alinham com estudos anteriores, que também sugeriram que os embutidos e as bebidas açucaradas são as versões mais nocivas. “Algumas pesquisas anteriores descobriram que pães, cereais e iogurtes estão associados a um risco reduzido ou inexistente”, completa Maya Vadiveloo, professora associada de nutrição da Universidade de Rhode Island.
“As diferenças entre os ‘mocinhos’ e os ‘bandidos’ se resume ao nível de processamento e o que oferecem em âmbito nutricional. Os embutidos, por exemplo, geralmente têm alto teor de sódio e gorduras saturadas, e os refrigerantes e sucos, de açúcar; já os cereais e pães integrais, mesmo tendo sido ultraprocessados, ainda oferecem nutrientes como fibras, minerais e vitamina B”, explica Mendoza.
Mattei compara o conhecimento atual dos cientistas sobre os ultraprocessados com o que se sabia sobre as gorduras décadas atrás. “Levamos um bom tempo para definir quais os tipos de gordura ‘boa’ e outros nem tanto. O estudo atual e as pesquisas futuras podem ajudar a esclarecer as mesmas dúvidas em relação aos ultraprocessados.”
Moral da história
Analisando as provas relacionadas aos ultraprocessados, os especialistas estão de acordo em alguns pontos. “Para começar, não tem como errar apostando nos alimentos in natura ou minimamente processados, como frutas, verduras, legumes, castanhas e grãos integrais”, confirma Vadiveloo. “Sem dúvida, o consumo maior dessas opções tem relação com uma saúde melhor. Além disso, os embutidos e as bebidas açucaradas estão sempre associados a problemas de saúde; por isso, reduzi-los ou eliminá-los da dieta é uma prioridade”, completa Mattei.
“O que não significa que essas sejam as únicas categorias nocivas à saúde, nem que você possa consumir quanto quiser de todas as outras”, alerta Mathilde Touvier, diretora da equipe de epidemiologia nutricional do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França.
O estudo feito por seu grupo provou a relação entre certos aditivos de vários ultraprocessados, incluindo adoçantes, conservantes e emulsificadores, e algumas doenças como o câncer e o diabetes tipo 2. “Precisamos de mais pesquisas para saber como esses e outros ingredientes afetam nossa saúde”, completa.
“Mas por enquanto, o ultraprocessamento não deve ser a única régua usada para classificar os alimentos como saudáveis ou não”, conclui Vadiveloo.
Fonte: R7
Fonte: Policia Civil MS